Valente Reis Pessali Advocacia e Consultoria

O plano de parto como instrumento de combate às violências obstétricas

Ainda pouco difundido no Brasil, apesar de recomendado pela Organização Mundial da Saúde desde 1986, o plano de parto é um documento elaborado pela gestante em que ela manifesta a sua vontade relativa aos procedimentos aos quais gostaria de se submeter e quais prefere evitar no trabalho de parto. Para além disso, o documento conta com outras informações importantes como a escolha do hospital e de quem estará presente na ocasião bem como as posições de sua preferência nas diferentes fases do trabalho de parto os cuidados que gostaria que fossem dispensados ao seu bebê após o nascimento.

Nas últimas décadas, muitas intervenções e práticas sem evidências científicas se tornaram práticas obstétricas (como a posição de litotomia, o excesso de exames de toque, a episiotomia, o uso de ocitocina artificial, a obrigação de jejum durante o parto e a lavagem intestinal, apenas para citar alguns exemplos mais comuns). Tudo isso fez com que fosse retirada boa parte da autonomia da mulher em participar das decisões que envolvem seu bem estar e o do seu bebê.

Em um contexto em que 1 em cada 4 mulheres sofrem violência obstétrica (além das que não se dão conta de que foram vítimas de violências) e no segundo país com maior taxa de cesáreas no mundo, em sua maioria sem adequada indicação médica (no Brasil mais de 44% dos nascimentos ocorre por cesárea, enquanto a comunidade internacional de saúde tem considerado que a taxa ideal seria entre 10 e 15%), o plano de parto é um importante mecanismo para fazer com que a mulher seja protagonista do seu próprio parto e busque informações sobre os procedimentos mais indicados em cada situação, o que é extremamente importante para o combate às violências obstétricas.

Plano de parto: um direito da mulher

Idealmente, o plano de parto é elaborado com o apoio da equipe médica escolhida pela gestante durante o pré-natal. O documento é levado ao conhecimento da equipe que realizará o parto e dos funcionários da maternidade e as diretrizes ali estabelecidas devem ser observadas, salvo em situações que representem comprovado risco de vida para a mãe ou para o bebê – quando, ainda assim, a mulher tem direito à tomada de decisão informada, sempre que possível.

Contudo, essa nem sempre é a realidade do atendimento pré-natal e muitas mulheres acabam buscando informações e elaborando o plano por conta própria, além de encontrarem obstáculos para sua observância no momento do parto, já que muitos médicos e hospitais se recusam a adotá-lo. Em casos nos quais o hospital se recusar a receber o plano de parto, algumas saídas são possíveis, como registrá-lo em cartório (escritura pública) ou até mesmo ajuizar uma ação de jurisdição voluntária, visando uma determinação judicial preventiva.

Em caso de descumprimento, o que fazer?

Embora seja valorizado pelos especialistas que acreditam em um parto humanizado, o plano de parto é rejeitado por muitos médicos que o entendem como um instrumento que fere a autonomia médica. O direito, entretanto, tem entendido que o plano de parto possui a natureza jurídica de uma declaração de vontade unilateral oponível erga omnes, isto é, que deve ser respeitada por todos. É um documento pelo qual a mulher antecipa a sua vontade com relação a certos atos e, nesse sentido, aquelas práticas que o violem sem adequado fundamento podem caracterizar constrangimento ilegal ou até mesmo lesão corporal, levando à responsabilização cível, administrativa e criminal dos profissionais envolvidos.

Tendo em vista que violência obstétrica é qualquer ato praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e que desrespeita sua integridade física ou mental ou que fere os direitos do bebê, o plano de parto pode servir como uma importante ferramenta para eventual prova em processo, já que violências dessa natureza costumam ser muito difíceis de provar.

Caso você sinta que seus direitos foram desrespeitados, vale consultar um advogado que atue na área de direitos reprodutivos. A Valente Reis Pessali Sociedade de Advogados está à disposição para acolhê-la!

Júlia Leite Valente - Advogada Sênior e Sócia Fundadora

Júlia Leite Valente

Advogada sênior sócia fundadora

É mestra em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar pela Université de Lille, na França. É autora do livro UPPs: Governo Militarizado e a Ideia de Pacificação.