Valente Reis Pessali Advocacia e Consultoria

Tudo o que fiz durante o doutorado no exterior não conta para a Capes/CNPq?

Após o encerramento do prazo da bolsa de pesquisa no exterior, estudantes e pesquisadores começam a se perguntar se devem mesmo retornar ao Brasil para cumprir o período de interstício. Muitas vezes, esses questionamentos são acompanhados de cobranças de ressarcimento de bolsa quando as pessoas desistem de retornar ao Brasil por já terem recebido proposta de emprego, desenvolverem relações afetivas e outros.

Apesar das valiosas contribuições desses pesquisadores para o avanço da ciência e tecnologia no Brasil, a ausência de normas específicas por parte das agências de fomento impede o reconhecimento formal dessas atividades como contrapartida.

No entanto, uma alternativa disponível é a apresentação de propostas de novação, que consistem na substituição do período de interstício por obrigações alternativas de valor equivalente. Essas obrigações podem incluir a orientação de pesquisadores brasileiros no exterior, a publicação de artigos em coautoria com pesquisadores brasileiros, a realização de pesquisas conjuntas, entre outras.

Os desafios de ser um pesquisador Capes/CNPq no exterior

Receber uma bolsa de estudos da Capes ou do CNPq para realizar um mestrado ou doutorado no exterior é uma oportunidade de crescimento acadêmico e profissional excepcional. No entanto, essa jornada está repleta de desafios e demanda um trabalho árduo e uma dedicação enorme.
Os pesquisadores selecionados enfrentam a adaptação a um novo país, cultura e idioma, além de terem que se integrar a um ambiente acadêmico diferente. Ao longo dos anos, eles se empenham em suas pesquisas, dedicando inúmeras horas a estudos, experimentos e análises.

As pressões e expectativas são altas, mas esses estudantes persistem, movidos pela paixão pelo conhecimento e pela busca de contribuições significativas para suas áreas de estudo. É uma jornada desafiadora, mas que oferece recompensas inestimáveis em termos de crescimento intelectual e ampliação de horizontes.

Durante o período de mestrado ou doutorado no exterior, os estudantes bolsistas da Capes/CNPq se envolvem em uma série de atividades que vão além do trabalho em suas pesquisas. Essas atividades não apenas aprimoram seus conhecimentos acadêmicos, mas também fortalecem a imagem do Brasil no cenário internacional. Alguns exemplos dessas atividades incluem:

  • Participação em congressos e conferências: Os bolsistas têm a oportunidade de apresentar seus trabalhos e pesquisas em eventos científicos de renome, contribuindo para o avanço do conhecimento em suas respectivas áreas e promovendo a imagem do Brasil como um país de excelência acadêmica.
  • Dedicação a leituras e estudos: O processo de pesquisa demanda uma extensa revisão bibliográfica e análise crítica de estudos relevantes. Os estudantes dedicam horas preciosas à leitura de artigos científicos, livros e teses, ampliando sua base de conhecimentos e desenvolvendo uma visão aprofundada sobre os temas de suas pesquisas.
  • Realização de experimentos e coleta de dados: Dependendo da área de estudo, os bolsistas podem realizar experimentos em laboratórios, conduzir pesquisas de campo, coletar dados e analisá-los minuciosamente. Essas atividades envolvem um trabalho meticuloso e detalhado.
  • Participação em entrevistas e colaborações: Os bolsistas podem colaborar com outros pesquisadores renomados, tanto no exterior quanto no Brasil, realizando entrevistas, trocando conhecimentos e estabelecendo parcerias de pesquisa. Essas colaborações enriquecem suas experiências acadêmicas e ampliam suas redes de contatos.
  • Divulgação da agência de fomento e do Brasil: Durante o período no exterior, os estudantes têm a oportunidade de representar a Capes/CNPq em diferentes contextos, divulgando a agência e demonstrando o investimento realizado no desenvolvimento de talentos brasileiros. Essa divulgação contribui para fortalecer a imagem do Brasil como um país que valoriza a educação e a pesquisa de qualidade.
  • Orientação de outros pesquisadores brasileiros e estrangeiros: Além de realizar suas próprias pesquisas, os bolsistas da Capes/CNPq no exterior também desempenham um papel importante como mentores e orientadores para outros estudantes brasileiros e estrangeiros. Compartilhando seus conhecimentos e experiências, eles contribuem para o crescimento acadêmico e profissional desses pesquisadores em formação.
  • Estabelecimento de parcerias entre instituições de ensino superior brasileiras e estrangeiras: Durante o período no exterior, os bolsistas têm a oportunidade de estabelecer laços de colaboração entre instituições de ensino superior no Brasil e no exterior. Essas parcerias promovem intercâmbios acadêmicos, programas de pesquisa conjuntos e o compartilhamento de recursos, fortalecendo as relações entre os países e impulsionando o avanço científico global.
  • Fortalecimento de redes internacionais de pesquisa: Ao participar ativamente de conferências, congressos e grupos de pesquisa internacionais, os bolsistas da Capes/CNPq contribuem para o fortalecimento das redes de pesquisa internacionais. Essas redes promovem a colaboração entre pesquisadores de diferentes países, incentivando o compartilhamento de conhecimento, o intercâmbio de ideias e o desenvolvimento de soluções inovadoras para desafios globais.

Os pesquisadores brasileiros que realizam mestrado e doutorado no exterior desempenham um papel fundamental no avanço da ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Suas contribuições vão além do conhecimento adquirido individualmente, uma vez que muitos estabelecem parcerias internacionais, colaboram com pesquisadores renomados e fortalecem redes de pesquisa em âmbito global.

Em muitos casos, permanecer no exterior após a conclusão dos estudos é uma consequência inevitável diante de tantos anos de dedicação em um país estrangeiro e das oportunidades excepcionais de inserção em laboratórios com tecnologia de ponta por todo o mundo – que apenas confirma a competência dos pesquisadores brasileiros.

É preciso que se compreenda que a permanência no exterior pode e deve ser uma oportunidade para se garantir a manutenção dessas redes internacionais de trocas de saberes e ampliar as contrapartidas para o Brasil.

Essa continuidade de colaborações internacionais resulta em intercâmbio de conhecimentos avançados, compartilhamento de recursos, projetos conjuntos e, consequentemente, em uma intensificação dos impactos positivos para a ciência e inovação no país.

Portanto, o trabalho realizado pelos pesquisadores brasileiros durante o mestrado e doutorado no exterior é de extrema importância para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, tanto em termos de conhecimento quanto de conexões internacionais duradouras.

Tudo o que foi feito nesses anos pode ser considerado como contrapartida pelos valores investidos pela Capes/CNPq?

Apesar das valiosas contribuições dos pesquisadores brasileiros no exterior, é importante ressaltar que a Capes e o CNPq são agências de fomento públicas brasileiras, sujeitas aos princípios da legalidade e da regulamentação do direito público.

Nesse sentido, seria desejável que houvesse normativas específicas que contemplassem a possibilidade de aproveitamento de todas as atividades desenvolvidas pelos pesquisadores no exterior como alternativa ao retorno ao Brasil e ao cumprimento do período de interstício ou ao ressarcimento integral dos valores recebidos a título de bolsa.

Infelizmente, tanto a Capes quanto o CNPq atualmente não dispõem de normas específicas nesse sentido. Isso significa que, embora todo o esforço, dedicação e contribuição dos pesquisadores durante seu período no exterior sejam inegáveis, essas atividades não são computadas como uma contrapartida formal para o Brasil. Ao invés disso, elas são vistas como uma consequência natural da inserção do pesquisador em um ambiente internacional de pesquisa, impulsionada pela bolsa pública de fomento recebida.

É importante ressaltar que essa situação não desmerece o trabalho e a importância das atividades desenvolvidas pelos pesquisadores no exterior. Pelo contrário, é necessário reconhecer o valor dessas experiências e lutar por um maior reconhecimento e valorização dessas contrapartidas no âmbito das agências de fomento brasileiras.

O estabelecimento de normativas que permitam o aproveitamento e a valorização dessas contribuições seria uma medida importante para promover a justiça e a equidade no tratamento dos pesquisadores que optam por permanecer no exterior em prol do desenvolvimento científico do Brasil.

Ou seja, infelizmente as atividades supramencionadas, se realizadas durante o recebimento da bolsa ou após, mas sem que estejam devidamente previstos em uma proposta de novação, não contam como formas de contrapartida. Apesar de tudo o que fez pelo Brasil, o Pesquisador ainda assim deverá ou cumprir o período de interstício, ou ressarcir ao erário os valores recebidos, ou fazer um projeto de novação, como se verá abaixo.

O que o pesquisador pode fazer para que essas contrapartidas sejam consideradas pela Capes/CNPq?

Uma alternativa disponível para os pesquisadores nessa situação é a apresentação de uma proposta de novação. A novação consiste na substituição da obrigação previamente estabelecida de cumprimento do período de interstício por obrigações alternativas, que possuam um valor pecuniário equivalente ao investimento feito na formação do pesquisador.

Dentre as possíveis obrigações alternativas que podem ser propostas na novação, destacam-se as seguintes:

  1. Orientação de pesquisadores brasileiros em cursos de mestrado e doutorado no exterior;
  2. Coorientação de alunos no Brasil em cursos de mestrado e doutorado;
  3. Ministração de aulas em cursos de curta duração em pós-graduação no Brasil;
  4. Publicação de artigos em periódicos internacionais ou nacionais, em coautoria com pesquisadores radicados no Brasil;
  5. Publicação de artigos em eventos internacionais e nacionais, em coautoria com pesquisadores radicados no Brasil;
  6. Realização de pesquisas científicas e/ou tecnológicas em conjunto com pesquisadores radicados no Brasil.
  7. Realização de pesquisas ou etapas de pesquisas em conjunto com pesquisadores brasileiros;
  8. Viabilizar o uso de recursos, laboratórios e equipamentos disponíveis em suas Instituições de Ensino Superior estrangeiras por pesquisadores brasileiros;
  9. Promover o repasse direto de recursos do exterior para IES no Brasil, seja a partir da realização de congressos, passagens aéreas, bolsas, etc.;
  10. Promover alguma ação que gere economia de recursos para o erário brasileiro.

Ao elaborar a proposta de novação, é importante observar os seguintes pontos:

  • A proposta deve prever obrigações futuras que possam ser cumpridas no período estabelecido, que deve ser igual ou inferior ao tempo de duração da bolsa recebida.
  • Investir na formação de recursos humanos brasileiros, como a orientação de alunos, a proposição de disciplinas e cursos, e a oportunidade de levar pesquisadores brasileiros para o exterior.
  • Detalhar todos os gastos envolvidos na proposta, mesmo aqueles que sejam adjacentes à sua execução, como os gastos com a manutenção de equipamentos que serão utilizados durante a realização da novação.
  • Anexar à proposta cartas ou declarações de parceiros, tanto do Brasil quanto do exterior, que possam atestar o valor e a relevância das atividades propostas.
  • Incluir na proposta documentação que comprove os valores já disponíveis para a execução das obrigações alternativas, bem como os orçamentos dos gastos envolvidos.
  • Inserir justificativa sobre a relevância estratégica do projeto no desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil em área estratégica;
  • Inserir Marco Teórico, indicadores e formas de divulgação do resultado.

Apresentar uma proposta de novação é uma alternativa para os pesquisadores buscarem o reconhecimento e a valorização das atividades desenvolvidas durante o período no exterior, oferecendo uma contrapartida equivalente ao investimento feito em sua formação. Essa é uma oportunidade de estabelecer compromissos que contribuam para o desenvolvimento científico do Brasil e reforcem a colaboração entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

A Valente Reis Pessali Advocacia e Consultoria está pronta para oferecer suporte especializado nesse processo, auxiliando os pesquisadores na elaboração e submissão de suas propostas de novação. Entre em contato e marque uma consulta para obter mais informações sobre como garantir o reconhecimento das contrapartidas realizadas durante o período no exterior.

Gustavo Marques Pessali - Advogado Sênior e Sócio Fundador

Gustavo Pessali

Advogado sênior sócio fundador

Gustavo Pessali Marques é mestre em Sociologia Jurídica e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar em Direitos Humanos pela Université de Lille, na França, e na Universidad de Buenos Aires, na Argentina.