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A condenação do Brasil em casos de Direitos Humanos

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A condenação do Brasil em casos de Direitos Humanos

A condenação do Brasil em casos de Direitos Humanos

Por Mariane Cruz

No último dia 15 de maio, o Estado brasileiro foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso das chacinas da Comunidade Nova Brasília, localizada no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ocorridas em 1994 e 1995.

Em cada chacina foram mortos 13 jovens, sendo que na segunda, em 1995, os jovens estavam em posição de rendição e mesmo assim foram alvejados na cabeça e tórax por helicóptero. Também houve denúncia e apuração de tortura e estupros contra adolescentes em 94. Participaram 120 policiais nas duas operações e os devidos procedimentos de investigação foram atropelados, como a movimentação dos corpos antes da perícia e a destruição de provas. Além disso, os homicídios foram registrados como confrontos e autos de resistência. Em sindicância instaurada pelo Governador à época, foram apontadas provas de execução sumária entre as mortes. As denúncias foram levadas ao Ministério Público do Rio de Janeiro, que as arquivou.

O caso ficou 15 anos em tramitação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos – OEA. Por sua recomendação, o MP do Rio de Janeiro reabriu os casos em 2012, sendo denunciados seis policiais militares pela chacina de 1994 e arquivado o caso de 95.

A Comissão e a Corte são duas organizações que fazem parte do Sistema Interamericano de Direitos Humanos da OEA. Tal Sistema reconhece e define os instrumentos internacionais assinados pelos países integrantes e que promovem e protegem direitos humanos e estabelecem obrigações. O Sistema se funda no Pacto de San José da Costa Rica de 1969, ou Convenção Americana, tratado internacional que prevê direitos e liberdades que devem ser respeitados pelos Estados-parte. O papel da Comissão (art. 34 e seguintes da Convenção) é observar e defender os direitos humanos, funcionando como órgão consultivo da OEA e atuando mais politicamente, como fez no Caso Maria da Penha, em que recomendou ações pedagógicas ao Estados brasileiro.  Em 2001 a Comissão responsabilizou o país  por omissão, negligência e tolerância em razão da violência de gênero no Caso Maria da Penha. No entanto, a Comissão também tem características judiciais, já que aceita denúncias e analisa casos, produzindo relatórios e recomendações ao final.

Por outro lado, a Corte (art. 52 e seguintes da Convenção) é órgão jurisdicional, um tribunal da OEA com função contenciosa e consultiva. Ela pode julgar casos, depois de esgotados os procedimentos na Comissão, e também interpretar os dispositivos da Convenção e recomendar medidas. A Corte já havia condenado o Brasil em 2010  no caso da Guerrilha do Araguaia, concluindo que o Estado brasileiro é responsável pelo desaparecimento de 62 pessoas, ocorrido entre 1972 e 1974. O Brasil é um dos países que acata a função contenciosa da Corte.

No Caso Nova Brasília, o governo brasileiro terá prazo de um ano, até o dia 11 de maio de 2018, para reabrir as investigações sobre  as duas chacinas, dentre outras medidas, como a investigação por órgão independente da Polícia, investigação por viés de gênero, em relação aos abusos sexuais cometidos, e a retirada das expressões resistência e oposição nos relatórios. O Estado também terá que pagar indenização a cerca de 80 pessoas durante um ano.

A decisão condenou a parcialidade nas investigações e afirmou: “antes de investigar e corroborar a conduta policial, em muitas das investigações, realiza-se uma investigação a respeito do perfil da vítima falecida e encerra-se a investigação por considerar que era um possível criminoso”. Nesse sentido, a sentença reflete a situação atual do país em relação à violência. O Atlas da Violência de 2017  revela que os jovens negros são as principais vítimas de mortes violentas no país: “Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem em situação de guerra”. A escolaridade, a classe e a raça ainda são fatores determinantes para a elaboração do quadro social da violência no Brasil, como eram na época das chacinas.

O governo brasileiro informou que cumprirá a sentença dentro do prazo.

Mariane Reis Cruz - Advogada Sênior e Sócia Fundadora

Mariane Reis Cruz

Advogada sênior sócia fundadora

É mestra e bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar em Direito e Políticas Públicas pela Université de Lille, na França, e Humanidades pela Universidad de la República, no Uruguai. É também bacharela em Letras pela UFMG.