Por Gustavo Pessali
Vivemos em uma sociedade marcadamente consumista. A semana passada, em especial, reflete isso sobremaneira. A sexta-feira negra, mais conhecida como Black Friday, é um prato cheio para os gastadores de plantão. Brincadeiras à parte, também é uma boa oportunidade para comprar aquele eletrodoméstico ou celular que fazem tanta falta no dia-a-dia.
No caso do celular esta questão é ainda mais patente. Muitas vezes dependemos dele para trabalhar, como é o meu caso, que sou advogado e assessor parlamentar. Muita gente precisa do celular até mesmo para se locomover de um lado a outro com auxílio do GPS, mandar emails e se relacionar com parentes distantes. A verdade é que somos cada vez mais dependentes das tecnologias e, por isso, muitas vezes ficamos nas mãos dos fornecedores e lojistas.
Para diminuir os desgastes nos casos em que nossa compras são frustradas por vícios ocultos, que só aparecem uma semana ou vários dias depois da aquisição, saiba dos seus direitos e como agir diante de um bem tão essencial como é o celuar.
O Instituto de Defesa do Consumidor explica que de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, quando o produto não atinge o fim a que se destina, se encontra com vícios – mais conhecidos como defeitos e avarias decorrentes de sua fabricação, e não do mal uso ou desgaste natural.
Estes defeitos podem ser aparentes, quando o consumidor consegue identificar assim que inicia a utilização do produto, ou ocultos, que só se manifestam após certo tempo de uso, sendo difícil sua constatação. No caso dos defeitos de fabricação, o Código de Defesa do Consumidor dá um prazo para que o consumidor efetue sua reclamação junto ao fornecedor e exija a reparação do produto defeituoso.
Segundo o artigo 26 do CDC, quando estamos diante de um defeito aparente, o prazo para reclamação é de 30 dias para produtos não duráveis (alimentos, produtos de higiene, dentre outros) e 90 dias para os produtos duráveis (móveis, eletrodomésticos, automóveis, etc), contados a partir da data da entrega efetiva do produto ao consumidor.
Já no caso dos vícios ocultos, os prazos para reclamação serão os mesmo que os acima assinalados, porém, a grande diferença se dará no momento em que estes prazos começam a contar. Diferentemente dos defeitos aparentes, nos vícios ocultos a própria Lei estipula que os prazos são contados a partir do momento em que o defeito é detectado pelo consumidor.
Além disso, de acordo com o artigo 18 do CDC, no caso de o produto apresentar defeito, o consumidor pode reclamar tanto ao fabricante quanto à loja onde comprou a mercadoria, o que for mais conveniente, tendo em vista a responsabilidade solidária entre eles.
A Lei Federal n.º 7.783/89, que disciplina a greve nos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da sociedade, destaca, dentre estes, a prestação dos serviços de telefonia como considerado essencial, cuja ausência põe em perigo iminente a sobrevivência, a saúde e a segurança da população.
Na prática, buscou-se caracterizar o telefone celular como um produto essencial à efetividade dos serviços de telefonia móvel, ou seja, dar ao aparelho celular a devida importância e essencialidade que a vida contemporânea impõe.
Neste sentido, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor elaborou a norma técnica de n.º 62/2010, a qual afirma que o telefone celular deve ser considerado como produto essencial, o que possibilita ao consumidor requerer, em caso de defeito no aparelho celular dentro do prazo de garantia, a imediata exigibilidade do preconizado no art. 18, parágrafo primeiro, do Código de Defesa do Consumidor.
O referido dispositivo legal dá ao consumidor a imediata possibilidade, em caso de vícios no telefone celular, de exigir alternativamente a substituição do produto por outro igual, em perfeitas condições de uso ou a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, com possibilidade de indenização por danos morais e/ou materiais (necessita comprovação) e, em último, o abatimento proporcional do preço.
Com a mudança da interpretação à luz do Código de Defesa do Consumidor, o disposto em referido artigo que antes requeria um prazo de 30 dias para resolução do defeito agora dá a possibilidade do cumprimento a partir do momento em que o telefone celular apresentar defeito, pois trata-se de ferramenta indispensável para satisfazer as necessidades imediatas do consumidor.
Ademais, os tribunais já consolidaram o entendimento de que telefone celular é bem essencial, sendo que a ofensa à imediaticidade da aplicação do dispositivo legal incorre em danos morais. Nessa toada é também o entendimento do Ministério Público Federal na medida em que aprovou o enunciado 8 que diz: “O aparelho Celular é produto essencial, para os fins previstos no art. 18, parágrafo terceiro, da Lei 8.078/90 [CDC]”.
Assim, quando o telefone for adquirido e apresentar qualquer defeito, devem as assistências técnicas autorizadas, fornecedores, inclusive varejistas, importadoras e fabricantes possibilitar ao consumidor, à sua escolha, as opções do disposto do Código de Defesa do Consumidor.
CDC
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
- 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço.
Veja como o juizado especial de consumo de Minas Gerais tem conduzido casos semelhantes:
CONSUMIDOR. DEFEITO PRODUTO. DANO MORAL. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. A frustração da utilização de bem durável por defeito do produto, não configura, salvo situações excepcionais abalo de forma a amparar o pedido de indenização moral compensatória, tratando-se de mero descumprimento contratual. V. v. Havendo sido comprovado que, tão logo adquirido o aparelho celular este apresentou defeito, exigindo que o adquirente promovesse a devolução do bem para reparo, e, não tendo sido solucionado o problema mediante a entrega de outro aparelho ou o ressarcimento pela compra do bem em prazo razoável, o que não ocorreu sequer depois de ajuizada a demanda judicial, resta evidenciado o descaso da ré com o consumidor, circunstância que culmina na condenação daquela ao pagamento da indenização a título de danos morais, especialmente por se tratar de bem essencial na vida moderna. – O ‘quantum’ indenizatório por dano moral não deve ser a causa de enriquecimento ilícito, nem ser tão diminuto em seu valor que perca o sentido de punição. (TJMG – Apelação Cível 1.0433.12.022606-6/001, Relator(a): Des.(a) Estevão Lucchesi , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/08/2016, publicação da súmula em 12/08/2016)
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MORAIS – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – DANOS MORAIS COMPROVADOS – VALOR RAZOÁVEL – RECURSO PROVIDO. 1. É certo que nos dias atuais, o aparelho celular tornou-se bem de primeira necessidade, ou seja, é um bem essencial à vida do consumidor. 2. Quando o produto é considerado essencial, a legislação impõe que as alternativas propostas em caso de defeito no bem sejam realizadas imediatamente. 3. Assim, entendo que a notória a falha na prestação de serviços e demonstração de descaso com o consumidor, ultrapassa o mero dissabor, devendo o apelado ser condenado a indenizá-lo por danos morais. 4. O quantum indenizatório que há de ser fixado com moderação, visto que não pode propiciar um enriquecimento sem causa, mas deve apenas servir como uma compensação proporcional em face da ofensa recebida. 5. Recurso provido. 5- Inexistindo condenação, os honorários advocatícios deverão ser fixados em valor certo, em consonância com os critérios estabelecidos no artigo 21, §4º do Código de Processo Civil.
V.V.P – São elementos indispensáveis para configurar a responsabilidade e o conseqüente dever de indenizar: o ilícito/culpa, o dano e o nexo de causalidade.
– A demora no conserto de produto que apresenta defeito no prazo de garantia não gera prejuízo extrapatrimonial, visto que não há dano moral em ato que não repercute na esfera íntima da parte ou na sua valoração no meio em que vive e atua.
(Des. Alexandre Santiago) (TJMG – Apelação Cível 1.0024.13.385084-2/001, Relator(a): Des.(a) Alexandre Santiago , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/07/2015, publicação da súmula em 10/07/2015)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APLICAÇÃO DO CDC. APARELHO CELULAR. VÍCIO DO PRODUTO. COMERCIANTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PRINCÍPIOS DA RAZOABLIDADE E PROPORCIONALIDADE.
No sistema do Código de Defesa do Consumidor, respondem pelo vício de inadequação do produto todos aqueles que ajudaram a colocá-lo no mercado, desde o fabricante, que elaborou o produto, até o estabelecimento comercial que contratou com o consumidor, responsáveis solidários pela garantia de qualidade-adequação do bem.
O vício do produto em aparelho celular novo, que apresenta diversos defeitos com pouco tempo de uso, e não é solucionado adequadamente pela assistência técnica do fornecedor, em patente desrespeito ao consumidor, enseja lesão a direito de personalidade, pois frustra a legítima expectativa deste de utilização de bem atualmente considerado essencial nas interações sociais.
O valor da indenização por danos morais deve ser ponderado, fixado em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
V.V. (Des. Batista de Abreu) (TJMG – Apelação Cível 1.0433.09.301617-1/001, Relator(a): Des.(a) Aparecida Grossi , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/10/2014, publicação da súmula em 30/10/2014)