O termo governança está cada vez mais presente no vocabulário das organizações da sociedade civil (OSCs). Governança refere‑se ao modo como o poder é distribuído, exercido e fiscalizado dentro de uma organização. Logo, a boa governança procura evitar a concentração de autoridade em uma única pessoa ou grupo, delimita poderes de decisão, cria mecanismos de controle e transparência e garante que a organização cumpra sua missão com responsabilidade social.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), os princípios fundamentais que regem uma boa governança são transparência, equidade, prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa/social Em organizações do Terceiro Setor, esses princípios são essenciais para manter a confiança de doadores, voluntários e da sociedade.
Este artigo apresenta os diferentes modelos de estruturas de governança utilizados por associações e fundações, explica as funções de cada órgão e discute as vantagens, desvantagens e boas práticas.
Diferenças entre associações e fundações
Associações são formadas pelo agrupamento voluntário de pessoas e sua governança parte de uma Assembleia Geral composta por todos os associados.
Fundações nascem da afetação de um patrimônio doado por pessoas físicas ou jurídicas para fins sociais. Em vez de uma assembleia de sócios, as fundações possuem um Conselho Curador ou Deliberativo como órgão máximo de decisão.
O estatuto social de cada entidade deve determinar claramente sua estrutura organizacional e as competências de cada órgão.
Órgãos de governança: papéis e responsabilidades
Assembleia Geral
É o órgão soberano nas associações, composto por todos os associados em pleno gozo de seus direitos. Suas principais funções incluem alterar o estatuto, aprovar contas e relatórios, eleger e destituir membros de outros órgãos e dissolver a organização. Em geral, cabe à assembleia deliberar sobre questões estratégicas e não centralizar a gestão diária. Nas fundações, a assembleia não existe; a função equivalente é desempenhada pelo Conselho Curador.
Diretoria Executiva
A Diretoria Executiva é o órgão responsável por administrar e representar a entidade perante terceiros. Nas associações, ela pode ser composta por presidente, vice‑presidente, diretor financeiro, secretário, entre outros cargos, a depender do estatuto. Nas fundações, a diretoria pode variar em número de integrantes e pode ser formada por membros do instituidor ou por profissionais contratados.
Cabe à diretoria executiva garantir uma gestão financeira responsável, prestação de contas financeira e programática e liderança ética. O conselho de administração deve supervisionar a diretoria e deve-se evitar que uma mesma pessoa acumule as funções de presidente do conselho e diretor‑presidente, prevenindo concentração de poder.
Conselho Deliberativo ou Conselho de Administração
Em associações, o Conselho de Administração ou Deliberativo é uma instância estratégica que orienta e supervisiona a diretoria executiva. Ele pode ser composto por membros eleitos pela assembleia, representantes de diferentes regiões ou setores e especialistas externos. Suas atribuições incluem estabelecer diretrizes, definir indicadores de desempenho, aprovar planejamento, acompanhar a execução de projetos e zelar pelo cumprimento da missão.
Em fundações, o órgão máximo é o Conselho Deliberativo ou Conselho Curador, que toma decisões voltadas ao cumprimento dos fins sociais e à garantia do desejo do instituidor. Pode ter membros escolhidos pelos fundadores, pessoas de notório reconhecimento, representantes de empresas doadoras ou indicados pelo Ministério Público. Compete a esse conselho promover e estabelecer políticas, escolher e destituir membros da diretoria, aprovar o regimento interno, proposta orçamentária e as demonstrações contábeis, deliberar sobre convênios e autorizar a contratação de auditoria.
Conselho Fiscal
Em associações e fundações, o Conselho Fiscal é responsável por fiscalizar as contas e a gestão da organização. Suas atribuições incluem examinar as demonstrações contábeis, acompanhar operações patrimoniais e emitir parecer sobre as contas da diretoria para aprovação da assembleia ou do conselho deliberativo.
A composição do conselho deve garantir independência; idealmente, espera-se que membros tenham conhecimento em contabilidade, legislação e finanças, e que sejam independentes em relação aos conselheiros e dirigentes. A boa prática aponta para um mínimo de três conselheiros, com mandato definido e possibilidade de reeleição.
Outros conselhos e comitês
Dependendo do porte e da complexidade da organização, podem ser criados conselhos consultivos, científicos, de ética ou comitês especializados (finanças, auditoria, recursos humanos). Alguns estatutos instituem conselhos consultivos ou científicos para aconselhar a diretoria e o conselho deliberativo.
A utilização de comitês é considerada uma boa prática, pois permite que especialistas contribuam em temas específicos e reforça a governança, desde que haja coordenação para evitar fragmentação das responsabilidades.
Estruturas de governança de uma fundação
Em geral, a estrutura de governança das fundações é composta por três órgãos:
- Conselho Deliberativo ou Conselho Curador – é o órgão máximo decisório da fundação. Ele toma decisões para garantir que os fins sociais previstos no estatuto sejam cumpridos e que a vontade do instituidor seja respeitada. Em fundações de grande porte pode haver, abaixo deste, um Conselho de Administração para atuar como instância estratégica contínua.
- Diretoria Executiva – órgão responsável pela administração da fundação, podendo ser composta por um presidente ou por vários diretores (financeiro, administrativo, técnico etc.) dependendo do tamanho e da complexidade da entidade. Boas práticas recomendam mandatos inferiores a quatro anos para possibilitar a renovação.
- Conselho Fiscal – órgão de controle e fiscalização das contas e da gestão. Embora não seja obrigatório em todas as fundações, sua criação é altamente recomendada para dar transparência e integridade às práticas da entidade.
Estruturas de governança de uma associação
Nas associações, a Assembleia Geral é o órgão supremo formado por todos os associados. Em geral, ela é quem elege ou destitui administradores, aprova o relatório de atividades e altera os estatutos. Dependendo do porte da associação, há três modelos principais de estruturas de governança:
- Assembleia Geral + Diretoria Executiva – modelo simplificado no qual a Assembleia Geral “governa” o trabalho da diretoria. A diretoria elabora e executa o programa anual de atividades e presta contas à assembleia. Esse formato é adequado a entidades pequenas ou recém‑criadas, porém concentra muita autoridade na diretoria.
- Assembleia Geral + Diretoria Executiva + Conselho Fiscal – além da diretoria, cria‑se um conselho fiscal para examinar as contas da diretoria e apresentar parecer para a assembleia. Esse modelo amplia a transparência e é obrigatório para Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) no Brasil.
- Assembleia Geral + Diretoria Executiva + Conselho Fiscal + Conselho de Administração (ou Deliberativo) – neste formato, o conselho de administração torna‑se o principal órgão de governança, supervisionando a organização de forma contínua entre as assembleias. A assembleia pode delegar grande parte das responsabilidades a esse conselho. É o modelo recomendado para associações de médio e grande porte ou com atuação diversificada, pois garante freios e contrapesos e mantém acompanhamento estratégico constante.
Vantagens e desvantagens dos modelos de governança
A seguir são analisados os principais modelos de governança empregados por OSCs, com suas vantagens e desvantagens.
1. Modelo simplificado (Assembleia Geral + Diretoria Executiva)
Vantagens:
- Simplicidade e agilidade – com apenas uma assembleia e uma diretoria, a tomada de decisões é rápida e a estrutura administrativa tem baixo custo operacional.
- Fácil implantação – apropriado para OSCs pequenas ou em fase inicial que ainda não possuem grande volume de recursos ou projetos.
Desvantagens:
- Risco de concentração de poder – o acúmulo de funções na diretoria pode levar à falta de controle, conflitos de interesse e decisões pouco transparentes.
- Ausência de fiscalização – sem um conselho fiscal ou deliberativo, a prestação de contas fica limitada à assembleia que, em organizações grandes, reúne‑se poucas vezes por ano.
- Baixa representatividade – a assembleia nem sempre consegue acompanhar a execução das atividades e pode não refletir todas as regiões ou grupos de interesse.
Esse modelo é melhor indicado para associações pequenas ou temporárias. À medida que a organização cresce, recomenda‑se evoluir para modelos com conselhos independentes.
2. Modelo com Conselho Fiscal (Assembleia Geral + Diretoria Executiva + Conselho Fiscal)
Vantagens:
- Transparência e controle interno – a existência de um conselho fiscal independente permite que as contas e os atos da diretoria sejam analisados regularmente, proporcionando credibilidade e conformidade com a legislação.
- Aprovação pública – o parecer do conselho fiscal é submetido à assembleia para aprovação, garantindo que os associados tenham uma visão clara da saúde financeira da entidade.
- Maior confiança de doadores e parceiros – a fiscalização reduz o risco de fraudes e irregularidades.
Desvantagens:
- Custos e complexidade – a manutenção de um conselho fiscal demanda recursos humanos com expertise em contabilidade e legislação.
- Possível conflito com a diretoria – sem uma boa definição de competências, o conselho fiscal pode extrapolar seu papel de fiscalização, interferindo indevidamente na gestão.
- Falta de visão estratégica – embora verifique a legalidade e a regularidade das contas, o conselho fiscal não substitui a necessidade de um órgão orientador estratégico.
Esse modelo é indicado para organizações que já possuem maior volume de atividades e recursos (que exige mais controle e transparência). Nesse formato, o Conselho Fiscal atua como órgão de fiscalização e acompanhamento das contas.
3. Modelo com Conselho de Administração/Deliberativo (Assembleia Geral + Diretoria Executiva + Conselho Fiscal + Conselho de Administração)
Vantagens:
- Supervisão estratégica contínua – o conselho de administração orienta e supervisiona o cumprimento da missão, acompanha metas e resultados e toma decisões estratégicas entre as assembleias.
- Freios e contrapesos – a existência de conselhos distintos evita a concentração de poder e cria mecanismos de accountability.
- Profissionalização – permite a participação de especialistas externos e aumenta a qualidade das decisões.
- Maior sustentabilidade – garante que a organização se mantenha alinhada a objetivos de longo prazo e permita mudanças de rumo quando necessário.
Desvantagens:
- Complexidade e custos – exige mais reuniões, tempo e recursos para o funcionamento dos conselhos.
- Decisões mais lentas – a necessidade de aprovação por diferentes órgãos pode tornar o processo deliberativo mais demorado.
- Potencial conflito de papéis – se não houver clareza de responsabilidades, pode haver sobreposição entre o conselho e a diretoria.
Esse modelo é recomendado para OSCs de porte médio e grande, bem como para fundações que administram volumes significativos de recursos. É recomendado que ONGs criem um conselho de administração com pelo menos cinco pessoas e diversidade de características pessoais e experiências, além de um conselho fiscal com membros independentes.
Boas práticas de governança para o Terceiro Setor
Adotar uma estrutura adequada é o primeiro passo. Para que a governança funcione de forma eficaz, é necessário seguir boas práticas e respeitar princípios éticos. Confira a seguir algumas orientações que podem fortalecer a atuação dessas estruturas de governança:
- Clareza de papéis e segregação de funções – cada órgão deve ter suas responsabilidades claramente definidas.
- Mandatos limitados e renovação parcial – recomenda-se que as estruturas internas das organizações do terceiro setor adotem mandatos com limite de anos, evitando vitaliciedade e prevendo renovação escalonada de conselheiros. A renovação deve considerar avaliações de desempenho e garantir a independência dos conselheiros.
- Disponibilidade e diversidade dos conselheiros – conselheiros devem dedicar tempo suficiente à função, evitar acúmulo de cargos em outros conselhos e possuir experiências diversas para enriquecer as discussões. A diversidade de gênero, etnia, idade, orientação sexual, dentre outras, assim como diversidade de experiências profissionais, fortalece a legitimidade do conselho.
- Treinamento e avaliação contínua – o presidente do conselho deve estabelecer objetivos, organizar agendas e assegurar que conselheiros recebam informações completas. O conselho deve realizar avaliações anuais de seu desempenho e de seus membros, divulgando os principais pontos identificados e ações corretivas.
- Transparência e prestação de contas – é importante manter registros de reuniões, disponibilizar relatórios financeiros e de atividades e implementar auditorias externas. O estatuto deve prever protocolos de prestação de contas e acesso público às informações.
- Código de conduta e políticas de integridade – elaborar códigos de ética, políticas de conflito de interesses, prevenção de assédio e regras para doações aumenta a confiança e auxilia na gestão de riscos.
- Comitês de apoio – a criação de comitês auxiliares para temas como auditoria, riscos, estratégia e ética é uma boa prática, pois permite que assuntos complexos sejam analisados por grupos menores e especializados.
Governança como base para crescer com credibilidade
Uma governança sólida é a base para a credibilidade e a sustentabilidade das organizações do Terceiro Setor. Não existe um único modelo de estrutura e a escolha depende do tamanho, complexidade e objetivo social de cada entidade. Entretanto, elementos essenciais como órgãos deliberativos independentes, fiscalização das contas, participação dos membros e mandatos limitados devem estar presentes.
Na VRP Advocacia e Consultoria, acompanhamos de perto os desafios enfrentados pelas OSC. Essas organizações precisam de estruturas de governança que lhes permitam responder de forma rápida, responsável e alinhada à missão.
Nossa equipe auxilia as organizações na implementação de práticas que fortalecem a transparência perante parceiros e financiadores. A adoção de um estatuto claro e atualizado, combinado com um processo permanente de avaliação e aprimoramento da governança, é o melhor caminho para que associações e fundações continuem cumprindo sua missão e gerando impacto social positivo.
Entre em contato com a VRP e saiba como podemos apoiar sua organização a crescer com segurança e sustentabilidade!

