Por Gustavo Pessali
Recentemente tivemos acesso a um conjunto de reportagens realizadas pelo Intercept Brasil cujo conteúdo principal foram conversas vazadas entre membros do Ministério Público integrantes da força-tarefa da operação Lava-Jato, em especial Deltan Dellagnol, e o ex-juiz Sérgio Moro, atual Ministro da justiça. O conteúdo revela que acusação e julgador mantiveram contato próximo frequente e diálogo sobre estratégias processuais, fases da operação lava-jato e, em determinadas situações, que foram até mesmo adiantadas decisões e sugeridas questões estratégicas, como recorrer ou não em casos específicos – tudo com o objetivo explícito de prejudicar a parte acusada, o ex-presidente Lula.
A Imparcialidade do Juiz
A imparcialidade do juiz é direito humano contido dentro do preceito mais amplo das garantias judiciais. Sua importância é tamanha que está inscrita na Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art. X:
“Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
Também está prevista no art. 8.1 da Convenção Americana dos Direitos Humanos;
“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
A imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual seja válida. Está atrelada à equidistância do magistrado em relação às partes, garantindo a ambas mesma relevância argumentativa e de participação na construção dos elementos probatórios a serem considerados na decisão – elemento vinculado diretamente ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.
O Código de Ética da Magistratura prevê em seu art. 1º que o exercício da magistratura é balizado por, dentre outros princípios, o da imparcialidade. Mais à frente, destrincha o conceito:
Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito (grifos nossos).
A imparcialidade não deve ser confundida com inércia, sendo facultado ao juiz, em alguns casos, proceder a diligências no sentido de melhor apurar o caso e compreender elementos que não foram trazidos aos autos pelas partes. Ademais, é importante ressaltar que juízes, como cidadãos e seres pensantes, também possuem seus ideais, crenças e valores, dos quais jamais irão se separar por completo. É exatamente por isso, entretanto, que se faz necessária a manutenção de uma relação ética, que garanta as mesmas oportunidades às partes de maneira a não desequilibrar a relação processual e inviabilizar que se faça justiça.
No caso em questão, as conversas vazadas evidenciam atuação coordenada de juiz e acusação com o objetivo deliberado de não apenas levar o Réu à condenação, mas criar fatos políticos e conjuntura social para garantir legitimidade à decisão e à atuação da força tarefa da Lava-Jato. Nessa linha, o Código de Processo Penal (CPP) estabelece que
Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles.
Ademais, segundo o art. 564 do CPP, a nulidade processual ocorre quando há incompetência, suspeição ou suborno do juiz. Como se vê, há elementos fortes que conduzem à conclusão do vício do processo que levou ao cárcere o ex-presidente Lula.
Mesmo que a intencionalidade dos membros do Ministério Público e da Magistratura esteja vinculada ao combate à corrupção nos mais altos escalões do governo, o que é absolutamente legítimo e defensável, não se pode ignorar que existem normas legais e processuais que são, em última instância, garantias estruturais do Estado Democrático de Direito.
A explícita violação à imparcialidade vicia o processo judicial, colocando em risco a legitimidade das investigações e evidenciando que, por trás do discurso do combate à corrupção, existia um evidente projeto político de poder que suplantou a soberania popular ao inviabilizar a candidatura de um dos favoritos na corrida presidencial.
A Valente Reis Pessali Sociedade de Advogados é um escritório que trabalha cotidianamente pelo fortalecimento das instituições do Estado Democrático de Direito e condena posturas de membros do Ministério Público e da Magistratura que se afastem das garantias constitucionais, legais e previstas nos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Constatadas irregularidades, referidas autoridades devem ser afastadas de seus cargos e sancionadas por seus atos, sendo reparados os direitos das pessoas diretamente prejudicadas.