Com o crescente uso de plataformas digitais para a contratação de trabalhadores por empresas internacionais, surgem questões jurídicas sobre qual a legislação aplicável. Uma recente decisão do Tribunal Regional do Trabalho elucida o posicionamento que vem sendo adotado pelos tribunais brasileiros com relação a esse tipo de contratação.
No caso analisado, um contrato de trabalho com uma empresa de cruzeiros foi regido pela legislação do país de bandeira da embarcação, em vez da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Isso mostra que contratos feitos com empresas estrangeiras não são regidos automaticamente pela legislação brasileira.
Este artigo explora as diferenças entre contratos online realizadas no Brasil e no exterior, destacando a recente decisão do Tribunal e oferecendo uma visão objetiva sobre os desafios legais enfrentados em contratos internacionais.
As nuances dos contratos internacionais
A internet e os meios digitais transformaram as formas de contratação de mão de obra. Empresas estrangeiras têm cada vez mais utilizado plataformas online para selecionar e contratar trabalhadores brasileiros, sem que haja presença física no país.
Um exemplo prático dessa realidade é o caso citado acima, no qual a Justiça do Trabalho enfrentou a questão da aplicabilidade da legislação brasileira em um contrato internacional firmado eletronicamente.
A competência da Justiça do Trabalho
Antes de abordar os contratos internacionais, é fundamental destacar a competência territorial da Justiça do Trabalho no Brasil. Competência, em termos jurídicos, refere-se à delimitação do poder de um tribunal, ou seja, à definição de qual tribunal é competente para julgar determinado conflito, com base no território ou no objeto da demanda.
No contexto trabalhista, o critério principal para definir essa competência é o local onde o empregado prestou seus serviços. Conforme o artigo 651 da CLT, a ação trabalhista deve ser ajuizada na localidade onde o empregado trabalhou, mesmo que tenha sido contratado em outra região. Isso visa facilitar o acesso do trabalhador à Justiça, evitando deslocamentos excessivos.
A legislação brasileira e os contratos firmados no Brasil
Quando um contrato é assinado em solo brasileiro, seja de forma presencial ou virtual, é aplicada a legislação brasileira. Essa determinação é consequência da aplicação do artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que prevê que “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”.
Nos contratos de trabalho, a CLT é a norma que prevalece quando a contratação ocorre no Brasil, ainda que o trabalho venha a ser realizado no exterior. Tal princípio é reforçado pelo artigo 114, da Constituição Federal, que determina a competência da Justiça do Trabalho para julgar conflitos trabalhistas ocorridos no território nacional.
Qual a lei aplicável aos contratos internacionais e onde os conflitos são julgados?
Em contratações feitas fora do Brasil, a situação é distinta. No caso mencionado, um dos pontos centrais foi a aplicação da CLT em um contrato firmado com uma empresa estrangeira para prestação de serviços fora do país. O reclamante foi contratado por uma empresa de cruzeiros e, por isso, a relação de trabalho foi regida pela “Lei do Pavilhão”, ou seja, a legislação do país onde a embarcação está registrada.
Conforme a jurisprudência, contratos de trabalho firmados para serviços prestados em embarcações seguem as normas do país de registro do navio, um princípio que se fundamenta em convenções internacionais, como o Código de Bustamante.
Entretanto, no contexto do teletrabalho, a definição da competência para a resolução de dissídios trabalhistas apresenta um desafio adicional, uma vez que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não prevê explicitamente normas para essa modalidade.
Nesse sentido, os Tribunais têm recorrido ao artigo 651, § 1º da CLT, que estabelece critérios para a competência das Juntas de Conciliação e Julgamento em casos envolvendo agentes ou viajantes comerciais. O artigo determina que a competência é definida pela localidade onde a empresa possui agência ou filial, ou, na ausência dessas, pelo domicílio do empregado ou pela localidade mais próxima.
Assim, ao interpretar analogicamente essa norma, os Tribunais reconhecem que, mesmo sem a presença física do trabalhador, o teletrabalho é vinculado ao local do estabelecimento da empresa. Isso implica que, em disputas trabalhistas envolvendo teletrabalhadores, as partes devem atentar para a localização da sede da empresa, que será determinante para a definição do foro competente.
Diferenças práticas: contratação no Brasil x contratação no exterior
Há diferenças significativas entre contratos firmados no Brasil e no exterior:
Imaginemos que Laura, uma profissional de marketing digital, reside em São Paulo, Brasil, e foi contratada para prestar serviços de consultoria para uma empresa estadunidense especializada em soluções de software. Apesar de a empresa ser estrangeira, ela possui um escritório de representação no Brasil, que é responsável por coordenar as atividades da empresa no país e manter uma presença local.
A contratação de Laura foi feita diretamente pela sede nos Estados Unidos, com base em um contrato firmado eletronicamente. No entanto, a empresa optou por realizar todos os trâmites burocráticos e o pagamento de Laura por meio de seu representante no Brasil. O contrato estipulava que Laura prestaria seus serviços remotamente de sua casa em São Paulo, mas sob a supervisão e orientação da equipe do escritório brasileiro. Neste caso, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) se aplica à relação de trabalho.
Agora, suponhamos que Carla, uma especialista em design gráfico, reside em Curitiba, Brasil, e foi contratada por uma empresa canadense de design, para prestar serviços como freelancer. A contratação foi realizada através de uma plataforma online internacional, onde Carla e a empresa se conectaram e firmaram um contrato.
O contrato foi elaborado de acordo com as leis do Canadá e assinado digitalmente, estipulando que Carla prestaria os serviços remotamente a partir de sua residência no Brasil, sem qualquer ligação física com o território canadense. Neste cenário, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não se aplica à relação de trabalho de Carla com a empresa estrangeira.
A importância de compreender a legislação aplicável
Nos contratos internacionais, entender quais normas legais serão aplicadas em cada caso concreto é fundamental para evitar conflitos e proteger os direitos das partes envolvidas. A escolha da legislação aplicável pode influenciar diretamente a forma como o contrato será interpretado e executado, além de definir os tribunais competentes para resolver eventuais disputas.
Saber antecipadamente de qual país serão aplicadas as regras no contrato evita surpresas e traz segurança jurídica, especialmente em relações de trabalho que cruzam fronteiras.
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