Entenda como as mudanças na Lei de Improbidade Administrativa podem beneficiar quem está sendo acusado de corrupção

2022 é ano de eleição e todos temos que ficar atentos aos políticos “ficha suja”, aqueles que são inelegíveis por terem sido condenados em decisão colegiada, por terem descumprido prerrogativas de seu cargo, que perderam seus cargos, que têm processos em andamento, dentre outros. Tudo o que torna um político inelegível está regulamentado pela Lei […]

2022 é ano de eleição e todos temos que ficar atentos aos políticos “ficha suja”, aqueles que são inelegíveis por terem sido condenados em decisão colegiada, por terem descumprido prerrogativas de seu cargo, que perderam seus cargos, que têm processos em andamento, dentre outros. Tudo o que torna um político inelegível está regulamentado pela Lei da Ficha Limpa, Lei Complementar nº 135 de 2010. A definição da sanção relativa à improbidade administrativa que torna uma pessoa inelegível, por sua vez, está no §4º do art. 37 da Constituição:

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Nesse sentido, a maior preocupação de quem exerce cargo público é a de não cair na peneira da improbidade administrativa, que nada mais é que a corrupção administrativa de caráter civil, que até pouco tempo atrás era definida como a ocorrência de qualquer lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro.

Para regulamentar quais atos, de agente público ou não, seriam atos de improbidade administrativa, bem como as sanções que recaem sobre ela, foi editada a Lei nº 8.429 de 1992, que teve recente e substancial alteração com a Lei nº 14230 de 2021, a Lei de Improbidade Administrativa – LIA. Tal alteração legislativa comportou mudanças procedimentais, como  a modificação do prazo de prescrição para oito anos, a possibilidade de transformação de sanção em multa, o escalonamento das punições a depender do dano causado, dentre outras. 

No entanto, a mudança mais relevante foi na própria definição sobre o que seria ato improbo na Administração Pública. Se até 2021 toda e qualquer conduta de agente público ou terceiro que danificasse o patrimônio público poderia ser considerada improbidade administrativa, com a alteração legislativa de dezembro de 2021 apenas atos dolosos, aqueles com intenção, podem ser considerados corrupção:

Art. 1º § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.

§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.

Art. 10 Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

Na modalidade culposa estariam os atos cometidos por erro ou imperícia e que não tiverem intenção de lesar o patrimônio público. Esses atos não mais podem ser definidos como improbidade administrativa.

Pode o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica alcançar o Direito Administrativo?

A alteração na LIA, que extinguiu a modalidade culposa, trouxe à tona a questão da retroatividade da lei mais benéfica no âmbito do Direito Administrativo. Afinal, a modificação legislativa pode beneficiar diversos servidores públicos e terceiros que atuam em função pública a partir da sua publicação. Mas, e os atos anteriores? A Lei não se pronuncia sobre retroatividade.

Sobre a retroatividade da lei, a Constituição determina que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (art. 5º, XL). No Direito Administrativo, em razão da necessidade de proteção da boa-fé e da confiança do administrado, geralmente não se admite a retroatividade. Essa premissa vem do art. 2º, XIII, da a Lei 9784 de 1999 – “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”.

No entanto, o Judiciário tem entendido que é possível sim que a lei possa retroagir caso seja benéfica ao agente público. Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu dessa forma:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE.

(…)

III – Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente. (STJ, RMS 37.031/SP, Rel(a). Min(a) Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 20/02/2018)

Sendo assim, a alteração da LIA irá alterar consideravelmente os processos administrativos disciplinares em andamento. Ainda, os acusados e/ou punidos na modalidade culposa da improbidade administrativa poderão recorrer ao Judiciário para ajuizar ações rescisórias ou pedir arquivamento do feito em razão da impossibilidade jurídica de serem punidos. 

Se você é servidor público ou terceiro em função pública e está sendo acusado de improbidade administrativa, procure um advogado especializado para elaborar a defesa mais adequada para seu caso. A Sociedade de Advogados Valente Reis Pessali é especialista em Direito Administrativo e pode te ajudar. Leia mais em nosso blog e entre em contato.  

Mariane Reis Cruz - Advogada Sênior e Sócia Fundadora

Mariane Reis Cruz

Advogada sênior sócia fundadora

É mestra e bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar em Direito e Políticas Públicas pela Université de Lille, na França, e Humanidades pela Universidad de la República, no Uruguai. É também bacharela em Letras pela UFMG.