No Direito do Trabalho, o que realmente acontece na prática pode ser mais relevante do que o que está registrado em documentos formais. Esse é o fundamento do Princípio da Primazia da Realidade, previsto no artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que visa proteger a verdade dos fatos e evitar fraudes.
Embora frequentemente utilizado em favor do trabalhador, esse princípio também pode beneficiar o empregador, desde que a realidade seja apresentada com clareza.
Neste artigo, explicaremos como a primazia da realidade funciona, citaremos o seu embasamento legal e jurisprudencial e mostraremos como empresas podem evitar problemas jurídicos ao aplicar corretamente esse princípio.
O que é o Princípio da Primazia da Realidade?
O artigo 9º da CLT estabelece que:
“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos nesta Consolidação.”
Com base nesse artigo, a primazia da realidade surge como um princípio para garantir que os fatos reais prevaleçam sobre registros formais que não correspondam à verdade.
No contexto trabalhista, isso significa que:
- Se um contrato formal disser que o trabalhador é prestador de serviço, mas a realidade demonstrar vínculo empregatício, a Justiça poderá reconhecer a relação de emprego.
- Por outro lado, se documentos indicarem que uma doença é relacionada ao trabalho, mas a realidade provar o contrário, a empresa pode ser isenta de obrigações indevidas.
Exemplo prático: PJ x CLT (em favor do trabalhador)
Uma empresa contrata um vendedor como Pessoa Jurídica (PJ), mas exige que ele cumpra horário fixo, use crachá da empresa e participe de reuniões semanais. Além disso, ele é remunerado exclusivamente pela empresa e não pode delegar o trabalho a terceiros.
Mesmo que o contrato defina essa relação como autônoma, a prática demonstra os requisitos do vínculo empregatício, previstos no artigo 3º da CLT:
- Pessoalidade: O trabalho é realizado exclusivamente pela pessoa contratada.
- Onerosidade: Há remuneração pelo serviço.
- Subordinação: O trabalhador está sujeito às ordens do empregador.
- Não eventualidade: O serviço é prestado de forma contínua.
Há diversos precedentes que reforçam essa interpretação, como no seguinte caso:
“”(…) 2. VÍNCULO DE EMPREGO. CONFIGURAÇÃO. O Tribunal Regional concluiu que o reclamante laborava para a reclamada de forma pessoal, subordinada, onerosa e habitual, submetendo-se ao crivo dos coordenadores da ré. Registrou, ainda, que, conquanto o reclamante também fizesse alguns trabalhos para terceiros, fora de seu horário de expediente, e também fosse qualificado tecnicamente, tais fatos não constituem impeditivos ao reconhecimento do vínculo de emprego. […] Ademais, não há falar em ofensa ao art. 422 do Código Civil, na medida em que a existência do vínculo de emprego foi apurada com base no princípio da primazia da realidade, sem que evidenciada violação dos princípios de probidade e boa-fé. Agravo de instrumento conhecido e não provido” (AIRR-758-24.2013.5.02.0072, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 03/03/2017)”
Nesse cenário, a empresa seria condenada a reconhecer o vínculo empregatício e a pagar todas as verbas trabalhistas, férias,13º salário e FGTS.
Exemplo prático: Auxílio-doença acidentário (em favor do empregador)
Em outro caso, uma empregada afastada recebia auxílio-doença acidentário, o que, pela legislação, obrigaria o recolhimento de FGTS durante o período. No entanto, o empregador comprovou que a doença não tinha relação com o trabalho.
Com base no princípio da primazia da realidade, a Justiça entendeu que a empresa não era obrigada a recolher o FGTS. O julgamento foi explícito ao enfatizar que, mesmo diante de documentos que sugeriam o contrário, a verdade factual prevaleceu:
“PEDIDO DE RECOLHIMENTO DO FGTS. EMPREGADA AFASTADA, RECEBENDO AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A DOENÇA E O TRABALHO NA EMPRESA NÃO RECONHECIDO EM JUÍZO. (…) 3. No caso dos autos, a interpretação literal da Lei conduziria a um resultado irrazoável, não consentâneo com a primazia da realidade, que também pode ser usado em favor do empregador, por exaltar a justiça da decisão. (…)” (E-RR-21696-44.2015.5.04.0030, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 29/10/2020)”
Como evitar problemas trabalhistas?
Empresas podem adotar estratégias para garantir que suas ações estejam alinhadas com a legislação trabalhista, evitando litígios. Entre as práticas que podem ser tomadas estão:
- Auditorias periódicas: Revise os contratos e avalie as relações de trabalho para garantir que estejam em conformidade legal.
- Treinamento de gestores: Realize capacitações com os líderes para que eles compreendam as implicações legais das exigências feitas aos trabalhadores.
- Registros consistentes: Use sistemas confiáveis para controle de ponto, tarefas e funções.
- Assessoria jurídica preventiva: Consulte advogados especializados para evitar problemas antes mesmo que eles surjam.
Garantindo a segurança jurídica nas relações de trabalho
Se você está enfrentando dúvidas ou desafios relacionados à aplicação do Princípio da Primazia da Realidade, é essencial compreender como esse conceito pode impactar sua empresa, seja em ações trabalhistas movidas por empregados, seja na defesa de seus interesses como empregador.
Saber que a realidade dos fatos prevalece sobre documentos formais é uma ferramenta para evitar fraudes ou injustiças. Alinhar suas práticas internas à legislação trabalhista vigente é uma maneira eficaz de proteger seu negócio de passivos desnecessários e decisões desfavoráveis na Justiça do Trabalho.
Para obter mais informações sobre como aplicar corretamente esse princípio em sua gestão trabalhista, entre em contato conosco. A VRP Advocacia e Consultoria oferece orientação especializada e pode ajudá-lo a prevenir problemas e construir uma relação de trabalho segura e eficiente.