Coronavírus: o que preciso saber sobre direitos trabalhistas em meio à pandemia?
Por Gustavo Pessali
Com a pandemia de coronavírus chegando ao Brasil, a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que sejam evitados os lugares públicos e aglomerações. Nesse contexto, os meios de transporte coletivo como ônibus, metrôs e trem são contraindicados, bem como locais de trabalho em que grupos de pessoas ficam em contato frequente.
Diante disso, o que acontece quando um empregado se encontra em uma dessas situações? Está autorizada sua falta? É obrigatório que a empresa lhe permita trabalhar remotamente? O empregador pode obrigar o funcionário a viajar ao exterior? Essas e outras perguntas são o tema do post de hoje.
Trabalho Remoto
Na perspectiva do direito, será necessário pensar nas situações concretas a partir do princípio da razoabilidade. A partir do momento em que há o risco de proliferação da doença, é possível que o empregador requeira ao empregado a realização de trabalho em home office para não gerar riscos de contaminação. Isso deve ser combinado com a empresa e não implica em mudança no contrato de trabalho diante da excepcionalidade da situação.
Pela lei, em tese, esse pedido deveria ser feito previamente, mas diante do quadro geral, isso acaba sendo relativizado. A questão dos custos do trabalho remoto deve ser acordada entre empregado e empregador, aí compreendidos, por exemplo, os gastos com luz e internet. Em casos nos quais não era de se esperar que o empregado possuísse as condições para realização do trabalho em casa, o empregador deverá fornecer referida estrutura – como notebook, por exemplo.
O que as empresas que não podem oferecer home office podem fazer?
Nos casos em que o home office não é compatível com a natureza do trabalho, é possível a realização de rodízio nas atividades de forma a reduzir a concentração de pessoas.
Afastamento
A OMS recomenda, para os casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 uma quarentena doméstica de no mínimo 14 dias, período de incubação do vírus.
Da perspectiva legal, o procedimento não difere dos das demais doenças. Com um atestado médico, o trabalhador pode ficar afastado do trabalho por até 15 dias e a empresa arca com a remuneração dele referente a esse período. Após 15 dias, será concedido o benefício pelo INSS.
A empresa também tem a faculdade de afastar o funcionário como medida preventiva, mas deverá remunerá-lo durante o período.
Falta Justificada
O Congresso Nacional aprovou a Lei 13.979 no dia 06 de fevereiro deste ano, já sancionada e em vigor, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
O art. 3º da lei estabelece que para enfrentamento da emergência poderão ser adotadas, entre outras, as medidas de isolamento, quarentena, realização compulsória de exames, testes laboratoriais, restrição temporária de entrada e saída do país, requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas etc..
O § 3º deste mesmo artigo prevê que será considerada falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas supracitadas.
É preciso que se entenda, ainda, que as pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas determinadas pelo governo, sendo que o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei.
Regimes legais aplicáveis
Se o trabalhador é afastado do trabalho em razão de recomendação médica, aplica-se a regra do recebimento de auxílio-doença após o 15º dia de afastamento. Se a ausência ocorre em razão de ato do governo, que determina seu isolamento ou a quarentena, aplica-se a regra da Lei 13.979/2020, sendo os custos suportados pela empresa.
O trabalhador pode se recusar a ir ao trabalho?
O art. 483 da CLT determina que nenhum funcionário é obrigado a trabalhar em áreas que lhe ofereçam risco ou perigo iminente. Entretanto, se não fica comprovado o risco iminente de contaminação (e/ou negligência por parte da empresa) as ausências podem vir a configurar abandono de emprego ou ato de indisciplina, a depender da situação específica. Por outro lado, se a recusa do empregado for justificável, é provável que eventual dispensa por justa causa seja anulada pelo Judiciário no âmbito de uma ação trabalhista.
Posso ser obrigado a viajar?
Trabalhadores que viajam com frequência e que devam ir a lugares onde a contaminação está endêmica podem se recusar a realizar referida tarefa com fundamento no mesmo art. 483 da CLT.
O que acontece se a empresa concede férias coletivas?
As férias coletivas podem ser determinadas pelo empregador, sendo que os empregados não têm escolha senão acatar a decisão. Os dias de férias coletivas são deduzidos do período a que o empregado tem direito anualmente. Os dias fruídos coletivamente são descontados proporcionalmente do período aquisitivo. Caso as férias coletivas ultrapassem os dias de férias já adquiridos, o excesso será considerado como licença remunerada, sendo iniciada nova contagem do período aquisitivo a partir do primeiro dia de férias coletivas.
Como ficam o Vale Refeição e o Vale Transporte em caso de home office?
Diante do trabalho remoto, a empresa não é obrigada a conceder o benefício, mas pode mantê-los mediante negociação.
Quais as obrigações da empresa em relação ao ambiente de trabalho durante a pandemia?
A CLT determina que o empregador garanta um ambiente de trabalho salubre. Dentre algumas essas obrigações, de acordo com recomendações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde, estão:
- Higienização frequente de superfícies e objetos de trabalho com desinfetante;
- Divulgação de campanhas para higienização das mãos com frequência;
- Disponibilização de máscaras;
- Isolamento de funcionários que apresentem sintomas;
- Distanciamento entre funcionários;
- Redução das viagens a trabalho e isolamento por 14 dias após o retorno.
Trabalhadores Informais
Prestadores de serviço, profissionais liberais, pessoas que não têm um empregador, mas contribuem para a Previdência, podem acionar o INSS e solicitar o benefício do auxílio-doença, caso tenham qualidade de segurado e tenham atestado médico. Infelizmente, aqueles que não contribuem não possuem nenhum tipo de proteção até o momento. Por isso é necessário que os governos coloquem em prática políticas públicas que garantam a saúde, alimentação e moradia das pessoas em vulnerabilidade.
E se eu descumprir as medidas de isolamento/quarentena?
O descumprimento das medidas previstas na Lei 13.979/2020 podem acarretar responsabilização civil, administrativa e criminal dos agentes infratores. O caso pode ser enquadrado em dois artigos do código penal:
Art. 268: crime contra a saúde pública, com pena de detenção de um mês a um ano, e multa.
Art. 330: crime de desobediência, com pena de detenção de 15 dias a seis meses, e multa.
É importante salientar que a indicação de isolamento, quarentena e tratamento médico somente pode ser definida por indicação de médico ou profissional de saúde. Se a desobediência gerar custos ao Sistema Único de Saúde, a Advocacia-Geral da União poderá acionar o infrator em busca de ressarcimento aos cofres públicos. Servidores Públicos que descumprirem as regras também podem responder a processo disciplinar.
A Valente Reis Pessali Sociedade de Advogados é adepta do isolamento voluntário como forma de prevenção ao pico de contaminação que pode levar ao colapso do sistema de saúde e, consequentemente, à morte de inúmeras pessoas pela falta de acesso ao tratamento. Estamos preparados para realizar atendimentos online em todo o Brasil e mantemos nossas atividades normalmente.