Recentemente tem retornado um medo antigo dos pesquisadores brasileiros: o de que a situação de precariedade dos investimentos em ciência e tecnologia no Brasil seja tamanha que não haja recursos para o pagamento das bolsas de pesquisa da Capes e do CNPq. Com isso, elas acabam sendo interrompidas de uma hora para outra. A pergunta que fica é: cabe indenização pelo não pagamento das bolsas de pesquisa Capes e CNPq?
Em um cenário como esse, mais de 100 institutos de pesquisa espalhados pelo Brasil podem ser afetados. Assim, pesquisas fundamentais para o desenvolvimento do país em áreas estratégicas podem ser descontinuadas a partir da paralisação das atividades de mestrandos e doutorandos.
Esse tema não é novo, retornando à cena pública de tempos em tempos. Em 2022, por exemplo, por problemas orçamentários e má-gestão, bolsistas de iniciação científica na graduação viveram a suspensão do pagamento de suas bolsas por falta de verba. Em decorrência disso, inúmeros estudantes tiveram que abandonar seus projetos de pesquisa e buscar emprego.
As consequências da insegurança no recebimento das bolsas
De acordo com a nossa experiência com centenas de pesquisadores, a sensação de insegurança quanto ao presente e ao futuro é uma das principais responsáveis pelo aumento progressivo nos casos de adoecimento mental, pela fuga de cérebros para o exterior e pelo alto índice de desistência na pós-graduação. Isso ocorre porque a maioria dos bolsistas necessita do recurso das bolsas para garantir elementos básicos de sua subsistência, como moradia, transporte, alimentação, saúde e lazer.
Segundo levantamentos preliminares, somente o contingenciamento de recursos para educação previstos para 2022-2023 pode afetar 14 mil médicos residentes de hospitais federais e 160.000 bolsistas de pesquisa, entre mestrandos e doutorandos.
Em 2023, para arcar com as demandas atuais, segundo o Correio Braziliense seria necessário aumentar em 30% o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e em 40% os recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No caso da Capes, a previsão orçamentária de 2023 foi reduzida em 18%, baixando de R$ 2.5 bilhões para R$ 2 bilhões, o que indica dificuldades no cumprimento das obrigações assumidas com os pesquisadores.
As consequências na vida dos pesquisadores

A consequência de tudo isso é diversa e perversa:
- Adoecimento físico e mental;
- Insegurança alimentar;
- Dificuldade de cumprimento de etapas da pesquisa;
- Dificuldade de pagamento de obrigações pactuadas pelo bolsista, como: aluguel, empréstimos, telefone, internet, etc.;
- Endividamento e negativação de nome;
- Dificuldade de deslocamento/transporte.
Tudo isso pode gerar danos materiais e morais. Os danos materiais são aqueles decorrentes do não recebimento da bolsa. São exemplos:
- Gastos com medicamentos para doenças físicas e mentais;
- Gastos com médicos, psicólogos e outros profissionais da rede de saúde;
- Multas, juros e outros aumentos em contas de água, luz, aluguel, telefone, internet, parcelamentos, empréstimos;
- Gastos com despejo, mudanças, etc.
Os danos morais são aqueles, também decorrentes do não recebimento da bolsa, que afetem o pesquisador em sua subjetividade, seja perante si mesmo ou perante a sociedade. São exemplos:
- Desenvolvimento de quadros depressivos, ansiosos ou outras doenças psiquiátricas;
- Negativação de nome em decorrência da impossibilidade de arcar com compromissos pactuados e que seria adimplidos com a bolsa.

É muito importante que os Pesquisadores, cientes de seus direitos, produzam provas dos danos:
- Pedir laudos psiquiátricos e psicológicos;
- Guardar prescrições médicas, notas fiscais e recibos de compra;
- Conversar sobre a situação com pessoas de sua rede e que poderiam ser eventuais testemunhas (idealmente que não sejam amigos próximos ou familiares);
- Guardar extratos bancários, contratos e outras provas documentais.
Com isso em mãos, será possível, eventualmente, tomar as providências cabíveis.
A responsabilidade da Administração Pública
Sabe-se que a administração pública deve agir de forma transparente e eficiente na gestão dos recursos públicos, prezando pela segurança jurídica, pela boa-fé, pela previsibilidade e pela razoabilidade. Sendo assim, é de se esperar que uma bolsa concedida atenda ao prazo de duração da pesquisa ou ao prazo que tenha sido fixado contratualmente no termo de concessão.
Quando a Capes ou CNPq, que são parte da administração pública federal, ou outra agência de fomento, interrompem abruptamente a concessão da bolsa de pesquisa, elas podem causar danos aos beneficiários. Seja suspensão, seja atraso ou cancelamento definitivo, o cancelamento repentino do pagamento, sem motivação adequada ou aviso prévio, configura ilegalidade.
Havendo um ato ilegal e um dano causado por ele, existe a possibilidade de busca por reparação (indenização). Isso porque os estudantes, ao aceitarem a bolsa de pesquisa, abrem mão de outros projetos e passam a confiar no recebimento daquele valor mensal para sua sobrevivência. Há, nessa relação, a confiança de que o pactuado seja cumprido, já que é uma relação protegida pela segurança jurídica – princípio que visa garantir estabilidade nas relações jurídicas e certeza na regência da vida social.
Somente a partir disso é possível que qualquer pessoa que se relacione com a Administração Pública possa fazer planos de futuro.
Qual a visão dos tribunais?
Em casos similares, já houve condenação da Administração Pública ao pagamento de danos morais em razão de atraso no pagamento de valores relativos a bolsa auxílio de estágio remunerado. Segundo a Desembargadora Renata Machado Cotta, relatora do processo,
[O Estado] deve organizar suas atividades administrativas para assegurar o pagamento da bolsa-auxílio em contraprestação à frequência de estágio remunerado no dia previamente divulgado, com calendário fixo, uma vez que presente a indiscutível natureza alimentar da verba, objetivando evitar incertezas e sobressaltos daqueles que dela dependem para sobreviver. Dessa forma, considerando o evidente caráter salarial da bolsa-auxílio aqui cobrada, não é demais supor que o atraso no seu pagamento coloca em risco a subsistência da parte autora, ainda mais se observado que ela usava parte do valor obtido para pagamento do curso de psicologia. Logo, o pagamento feito sempre em atraso gerou uma ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, o que fez surgir o dever de reparação por danos extrapatrimoniais. )
(TJ-RJ – APL: 00083073220148190006, Relator: Des(a). RENATA MACHADO COTTA, Data de Julgamento: 28/05/2020, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 2020-06-02
Há a possibilidade de busca reparação
Como se vê, há precedentes que reconhecem a possibilidade de indenização em caso de não pagamento de bolsas. Entretanto, é preciso que se compreenda que quando a situação atinge uma coletividade excessivamente grande de pessoas, existe a possibilidade de que os juízes não concedam indenização. Isso ocorre em decorrência do risco de que isso chegue a prejudicar a economia do país.
De toda forma, nosso entendimento é de que, nos casos em que o não pagamento da bolsa de pesquisa pela agência de fomento causem danos materiais e morais, os pesquisadores busquem seu direito ao recebimento de indenizações.
Caso você tenha sofrido graves consequências atreladas ao corte abrupto da sua bolsa de pesquisa Capes ou CNPq, entre em contato e agende uma consulta. Nós podemos ajudar!