Valente Reis Pessali Advocacia e Consultoria

O direito das trabalhadoras e a PEC das Domésticas

Doméstica… Ela era doméstica,
Sem carteira assinada,
Só caía em cilada,
Era empregada doméstica

         A música de Eduardo Dusek nos remete a uma realidade ainda muito comum no país: a ausência de direitos trabalhistas das trabalhadoras domésticas. Contudo, essa realidade começa a ser modificada com a ajuda da PEC das Domésticas (Proposta de Emenda Constitucional nº 72/2012), que deu origem à Emenda Constitucional nº 66 de 2013. A Emenda altera o Parágrafo 1º do artigo 7º da Constituição Federal e confere o mesmo status e garantias trabalhistas aos empregados domésticos. O trabalho doméstico no Brasil, até junho de 2015, possuía lei específica para regulá-lo, diferente de outras categorias profissionais, regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, CLT. Os direitos garantidos aos domésticos desde a CF/1988:

0001 (1) Com a promulgação Emenda, passaram a vigorar os seguintes direitos para os trabalhadores domésticos:

1- Com vigência imediata:

0001 (2)

2- Outras garantias dependiam de regulamentação, aprovada em junho de 2015, dois anos depois da promulgação da Emenda:

0001 (3)

Todavia, o status de trabalhador brasileiro, como é garantido pela CLT, ainda não faz parte da realidade dos trabalhadores domésticos. Por acreditar que alguns direitos auferidos pela Constituição são incompatíveis com a relação de emprego doméstico, os seguintes direitos não são garantidos à categoria: 0001 (4)

Apesar da grande conquista que foi a PEC, os debates durante sua discussão no Congresso Nacional apresentaram como a questão ainda é controversa no país e como a garantia de direitos não é assunto certo para boa parte da população brasileira. Um dos argumentos que barrou durante muitos anos a garantia de direitos dos trabalhadores domésticos é o caráter íntimo e privado em que se dá a relação de emprego doméstico. Para João Batista Villela, por exemplo, por ter caráter fiduciário, o trabalho doméstico não deveria estar na mesma categoria que outros trabalhos, contemplados pela CLT. A grande mídia também fez sua campanha contra a aprovação da PEC:

3

Como se fosse da família… Doméstica

O filme Que horas ela volta? (2015) de Anna Muylaert faz uma crítica ao sistema em que se insere o trabalho doméstico no Brasil. Mesmo com a conquista de direitos, o trabalho doméstico no país ainda é considerado uma subcategoria, realizador de tarefas invisibilizadas e sem importância na produção social. Prova disso é a continuidade da sua informalidade: segundo relatório da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) divulgado no primeiro semestre de 2015, cerca de 32% das trabalhadoras domésticas possuem carteira assinada. Nesse sentido, o filme aponta para a necessidade de problematizarmos o trabalho doméstico no Brasil na perspectiva das mulheres e no seu protagonismo. O trabalho doméstico no Brasil se destina quase exclusivamente às mulheres negras: segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 94,9% dos trabalhadores domésticos são mulheres e mais de 60% são negras, de acordo com o DIEESE (Departamento Intersindical e Estatística e Estudos Socioeconômicos).

Para além da conquista e formalização de direitos, é preciso repensar nossas relações sociais.

Referências:

BRASIL. DIEESE. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. O Emprego Doméstico no Brasil. 2013. Disponível em: http://www.dieese.org.br/estudosetorial/2013/estPesq68empregoDomestico.pdf.

BRASIL. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mulher no mercado de trabalho: perguntas e respostas – Pesquisa Mensal de Emprego. 2012. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Mulher_Mercado_Trabalho_Perg_Resp_2012.pdf.

BRASIL. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. 2015. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pnad_continua_mensal/default.shtm.

VILLELA, João Baptista. Aplicabilidade e eficácia da norma constitucional. Síntese: Revista de Filosofia, v. 17, N. 51, 1990 Pp: 65-77.

Mariane Reis Cruz - Advogada Sênior e Sócia Fundadora

Mariane Reis Cruz

Advogada sênior sócia fundadora

É mestra e bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar em Direito e Políticas Públicas pela Université de Lille, na França, e Humanidades pela Universidad de la República, no Uruguai. É também bacharela em Letras pela UFMG.