Retirada Compulsória de Bebês: estigmatização, violência e abusos na cidade de Belo Horizonte – Estado de Direito em alerta

Retirada Compulsória de Bebês: estigmatização, violência e abusos na cidade de Belo Horizonte – Estado de Direito em alerta Por Gustavo Pessali Ontem, 27 de junho de 2017, foi realizado o Seminário Mães Órfãs na Faculdade de Direito da UFMG em parceria com inúmeras entidades. O tema da retirada compulsória de bebês está atrelado a […]

Retirada Compulsória de Bebês: estigmatização, violência e abusos na cidade de Belo Horizonte – Estado de Direito em alerta

Por Gustavo Pessali

Ontem, 27 de junho de 2017, foi realizado o Seminário Mães Órfãs na Faculdade de Direito da UFMG em parceria com inúmeras entidades. O tema da retirada compulsória de bebês está atrelado a casos de “sequestro” institucionalizado de recém-nascidos de suas mães nos quais o Poder Público usa como justificativa a trajetória de rua e/ou o uso de drogas – de maneira genérica e indiscriminada. Esta questão não é recente e sua discussão deve ser rememorada a partir da análise dos, pelo menos, últimos 7 (sete) anos em Belo Horizonte. Em agosto de 2010, o jornal Estado de Minas já noticiava o crescimento do número de bebês abandonados em maternidades da cidade. Em 2012, surgiram denúncias acerca da falta de estrutura dos abrigos para os quais eram direcionadas as crianças acolhidas e noticiou-se que cerca de 800 (oitocentas) crianças e adolescentes foram espalhadas em 53 (cinquenta e três) abrigos por toda Belo Horizonte.

À época, autoridades e profissionais que atuavam na área já apontavam falhas no sistema de acolhimento que iam desde negligência, maus-tratos, falta de vagas, de profissionais e até de uma triagem eficiente, já que menores de diferentes perfis (histórias, idades, gênero) dividiam o mesmo ambiente. Neste mesmo período, a Promotoria da Criança e do Adolescente teria acionado o Poder Judiciário buscando corrigir as falhas da política pública vigente. Segundo a Promotora Matilde Patente:

“A Justiça decide pelo acolhimento e a prefeitura escolhe para qual abrigo a criança deve ir. Lá, deveriam ser protegidas, mas continuam sendo vítimas de negligência e até de maus-tratos”  

Segundo a própria Promotora:

“As crianças recolhidas durante a noite ou nos fins de semana ficam sob cuidado da Polícia Militar, conselho tutelar ou outro órgão, passando frio, fome, sem lugar para permanecer, dormir e higienizar-se até o início do funcionamento da central de vagas, na segunda-feira ou no dia seguinte

No ano de 2011, segundo o Ministério Público de Minas Gerais, dos R$ 233 mil previstos no orçamento municipal para esse fim, nenhum centavo foi empenhado, liquidado e pago durante o exercício. Os próprios profissionais que trabalhavam nos abrigos relatavam as dificuldades oriundas da falta de financiamento e a necessidade de estrutura.

Posteriormente, em 2014, o drama se aprofundou consideravelmente, a partir da inclusão do problema específico das mães usuárias de crack, álcool e outras drogas na questão. Isso ocorreu a partir do momento em que a 23ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude Cível de Belo Horizonte expediu duas recomendações acerca do fluxo de atendimento em casos de gestantes usuárias de drogas. A primeira recomendação, de 16 de junho, é dirigida às maternidades e solicita que os casos de mães usuárias de substâncias entorpecentes sejam comunicados à Vara da Infância e Juventude de Belo Horizonte Recomendação 5). A segunda, datada de 6 de agosto, é dirigida às Unidades Básicas de Saúde e recomenda que sejam comunicados à Vara os casos de gestantes usuárias de drogas (Recomendação 6).

À época de sua expedição, as recomendações geraram preocupação em alguns atores do Sistema de Garantias dos Direitos de Crianças e Adolescentes em Belo Horizonte por terem aumentado de maneira exorbitante o número de bebês acolhidos – em sua maioria em um padrão específico de filhos de mães pobres e negras. Segundo Vânia Sobreira, gerente socioeducativa da Casa Dom Bosco e membro da coordenação do Fórum de Abrigos à época:

“As mães usuárias de drogas vão para a maternidade e, quando o neném nasce, ele já é encaminhado diretamente para acolhimento. Não é feito nenhum levantamento da família extensa

A questão foi tratada com extrema seriedade pelos especialistas que se debruçaram sobre o tema. Rapidamente, o tom das notícias publicadas na mídia começou a ser de estigmatização, preconceito e condenação das mães acometidas pela dependência, como se depreende do trecho da reportagem publicada no dia 01/12/2014 no jornal Estado de Minas:

“No triste cenário do crack em Belo Horizonte, nada incomoda mais do que flagrar grávidas carregando suas barrigas, que sobressaem nos corpos emagrecidos pela droga pesada. Dominadas pelo vício, estas mães fritam a pedra no cachimbo, mesmo sabendo dos danos irreversíveis aos filhos, como baixo peso, problemas neurológicos e até paralisia cerebral”.

Na ocasião da reportagem, as promotoras afirmaram que teriam sido compelidas a tomar esta atitude extrema em decorrência da falta de políticas públicas para gestantes usuárias de crack que ganham os bebês sem acompanhamento pré-natal e frequentam a cracolândia mesmo grávidas, pondo em risco a vida delas e a da criança na barriga.

Segundo as Promotoras Matilde Fazendeiro Patente e Maria de Lurdes Rodrigues Santa Gema:

“O poder público está inerte em relação ao crack não é de hoje. Não existem clínicas nem vagas em hospitais para internar involuntariamente estas gestantes. Ocorre que a vida não pertence somente a elas. Acima de tudo, a Constituição manda proteger o nascituro”.

Desta feita, percebe-se a linha de estigmatização adotada pela mídia atrelada a uma postura explícita de retirada compulsória dos bebês de mães usuárias de crack, álcool ou drogas afins, tratando de maneira genérica o vício como incapacitante para o exercício da maternidade e desconsiderando o estado igualmente precário ao qual são submetidos os bebês afastados compulsória e prematuramente de suas mães nos abrigos municipais.

O Valente Reis Pessali Advocacia entende que o problema do abuso de drogas deve ser tratado como questão de saúde pública e levado a sério pelas autoridades. Ademais, consideramos que mães em situação de vulnerabilidade devem ser acolhidas com seus filhos e jamais separadas de suas crianças diante da existência de alternativas – como a guarda provisória junto à família extensa, por exemplo. A retirada dos bebês e sua colocação para adoção é medida excepcional e, se assim não for, viola direitos da mãe e da criança à convivência familiar, à memória, ao desenvolvimento saudável e à livre formação familiar. Somos contra toda forma de criminalização da pobreza e lutamos contra a postura institucional violenta e cruel do Ministério Público e da Vara Especializada em Infância e Juventude.

Equipe VRP

Os artigos produzidos por advogados e advogadas especialistas em diversas áreas do direito que colaboraram com a produção dos conteúdos do Blog da VRP Advocacia e Consultoria.