Na última semana, a Justiça Federal de Belo Horizonte decidiu que a Caixa Econômica Federal deveria retificar os registros cadastrais de uma cliente para adequar a sua identidade de gênero e nome nos canais de serviço bancário.
Nossa cliente, mulher transexual, realizou retificação registral, alterando seu nome de nascimento para nome condizente com sua existência social. Realizada a retificação do registro de acordo com a legislação nacional, ela compareceu a todos os órgãos e instituições nos quais possuía algum tipo de cadastro para proceder à retificação de acordo com sua nova documentação, tendo feito esse procedimento junto ao banco. Lá encontrou uma série de entraves à efetivação de seu pedido, tendo tido que comparecer ao banco inúmeras vezes. Após diversas tentativas, supostamente teria conseguido realizar as mudanças necessárias, tendo sido expedido, inclusive, cartão bancário em seu nome. No entanto, infelizmente, mesmo após todo o esforço feito para seu recadastramento, nossa cliente continuou a ter problemas com a Caixa, cujos sistemas ainda emitiam documentos, extratos e comprovantes em seu nome anterior à retificação, o que lhe causava grande humilhação e desconforto. A solução foi ajuizar ação requerendo a efetiva retificação dos registros e danos morais pelo constrangimento e humilhação pelos quais passou.
A Constituição de 1988 estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, em seu art. 1º, III. A partir desse princípio, recai sobre o Estado e as instituições brasileiras, sejam elas públicas ou privadas, a exigência de garantir a todas as pessoas um tratamento compatível com os valores inerentes à condição de seres humanos e, dessa forma, impedir eventuais ameaças às condições mínimas de existência. Nesse sentido, instituições públicas ou privadas, como o banco, devem respeitar a identidade de seus clientes, parceiros, colabores, não interferindo no plano privado de suas vidas, garantindo-lhes tratamento de acordo com a forma pela qual se reconhecem. O respeito à dignidade humana é alicerce constitucional que legitima e garante o pleno exercício da identidade de gênero, da privacidade, da liberdade, da saúde e do bem-estar. Ademais, engloba o direito de autodeterminação conforme o sentimento que o indivíduo possui de si mesmo; da mesma forma, para a pessoa transexual, ter uma vida digna envolve, impreterivelmente, o reconhecimento de sua experiência identitária e a adequação dos dados registrais de acordo com sua identidade de gênero.
Foi isso que decidiu o juízo federal, que de nada adiantaria a parte autora ter alterado seu nome para expressão máxima de sua identidade de gênero se não houvesse a total mudança em todos os registros particulares e públicos. Sobre isso o Supremo Tribunal Federal já deixou assentado:
O nome como um atributo da personalidade, constitui uma expressão da individualidade e visa afirmar a identidade de uma pessoa perante a sociedade e as ações contra o Estado. Com ele, procura-se conseguir que cada pessoa tenha um sinal distintivo e singular frente às demais, com o qual pode ser identificado e reconhecido. É um direito fundamental inerente a todas as pessoas pelo simples fato de sua existência. Além disso, este Tribunal indicou que o direito ao nome (reconhecido no art. 18 da Convenção e também em vários instrumentos internacionais) constitui um elemento básico e indispensável da identidade de cada pessoa, sem o qual ela não pode ser reconhecida pela sociedade nem registrada perante o Estado. (…) 113. Por sua vez, a falta de correspondência entre a identidade sexual e de gênero que uma pessoa assume e a que aparece registrada em seus documentos de identidade implica negarlhe uma dimensão constitutiva de sua autonomia pessoal – do direito de viver como se queira –, o que, por sua vez, pode transformar-se em objeto de repúdio e discriminação dos demais – violação do direito de viver sem humilhações – e dificultar-lhe as oportunidades de trabalho que lhe permitam ter acesso às condições materiais necessárias a uma existência digna. (…) 115. (…) Isso significa que os Estados devem respeitar e garantir a toda pessoa a possibilidade de registrar ou de mudar, retificar ou adequar seu nome e os demais componentes essenciais de sua identidade, como a imagem, ou a referência ao sexo ou gênero, sem interferência das autoridades públicas ou de terceiros (ADI 4.275, rel. min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. min. Edson Fachin, P, j. 1º-3-2018, Informativo 892).
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