Em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, a jornada de uma servidora pública foi reduzida a 50% para que ela cuidasse do filho que necessita de tratamento especial de saúde. A discussão do processo suscita a necessidade de adequação das instituições públicas sobre a jornada dos servidores para tratamento de saúde, próprio e da família.
A Constituição Federal, em seu art. 7º, elencou dentre os direitos dos trabalhadores aquele à “duração do trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. Em Leis Federais e nas normas internas das instituições existem hipóteses de concessão de horário especial a servidor/redução da carga horária que fazem com que, em interpretação analógica e baseada nos princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade, seja possível a redução de carga horária de servidores públicos. No caso citado acima, foi destacado pelos julgadores que a ausência de regulamentação da redução de jornada não pode ser impeditivo para o cuidado com saúde e garantia da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental central do ordenamento jurídico brasileiro (art. 1º, III, CF/88).
A analogia referida acima é feita a partir do art. 98, §2º da Lei 8.112/90, que prevê a concessão de horário especial a servidor portador de deficiência ou que possua cônjuge, filho ou dependente com deficiência, independentemente da compensação de horário, tendo como requisito a comprovação da necessidade de horário especial formulada por junta médica oficial. A respeito do conceito de pessoa com deficiência, é necessário destacar a mudança de paradigma ocorrida na última década. No ano de 2009 integrou-se ao ordenamento jurídico brasileiro com o status de emenda constitucional (Decreto 6.949/2009) a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário. A Convenção revolucionou o conceito legal de pessoa com deficiência no direito brasileiro, uma vez que o foco passou a ser a inadequação do Estado e da sociedade para incluir a pessoa com deficiência na vida em sociedade. Em seu art. 1º, pessoa com deficiência é conceituada da seguinte forma: “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”. A Convenção reconhece, ainda, que a deficiência é um conceito em constante evolução.
Nesse sentido e considerando, ainda, os direitos fundamentais à igualdade de oportunidade e tratamento no trabalho (art. 5º, caput, 6º, 7º, XXX e 39, §3º, CF/88), à vida e à saúde (art. 5º, caput, 6º e 196, CF/88), forçoso reconhecer que podem ser interpretados analogicamente casos que envolvam questões de saúde de servidores e seus familiares na regra de redução da jornada. Fato é que a condição de pessoa que necessita de cuidados especiais ou sofre com questões de saúde, cria um impedimento que prejudica o pleno desempenho dos servidores em seu trabalho, o que exige que, por questões de isonomia, lhes sejam atribuídos tratamentos diferenciados. Nesse sentido, uma avaliação das condições de saúde e recomendações médicas pode constatar a necessidade de uma redução de jornada para a continuidade do exercício das atribuições do cargo ocupado.
É preciso afirmar que não se deve confundir deficiência ou existência de doença com impossibilidade de trabalhar. Nesse sentido, servidores que necessitam de redução de jornada são capazes de trabalhar, desde que sejam removidas as barreiras que impedem o exercício de sua plena capacidade, no caso, a elevada carga horária, diante da necessidade de tratamento de saúde. Também não se deve confundir a redução de jornada com a possibilidade de benefício previdenciário e afastamento por questões de saúde. No caso, a redução é indicada em casos que requeiram tratamentos regulares e que não impeçam a atividade laboral.
Se você é servidor público que precisa cuidar de um familiar, ou de si mesmo, com problemas de saúde, pode requerer redução da jornada administrativamente ou por via judicial. A Valente Reis Pessali Sociedade de Advogados é especialista em Direito Administrativo, entre em contato.