Segurança jurídica se refere à garantia de que as normas e decisões jurídicas sejam claras, coerentes e estáveis, proporcionando previsibilidade na forma como são aplicadas. Apesar de este ser um dos princípios mais importantes do Direito, nem sempre as instituições o cumprem plenamente.
Exemplo disso ocorre nas agências de fomento, onde pesquisadores enfrentam incertezas devido à falta de clareza normativa da Capes e do CNPq, o que pode comprometer a ampla defesa e o contraditório e afetar suas carreiras e finanças.
Entender a relação entre segurança jurídica e direito de defesa é fundamental. Este artigo apresenta casos concretos que ilustram os desafios e as consequências da insegurança jurídica para os pesquisadores, ajudando a esclarecer a complexidade do tema.
O que é segurança jurídica e como ela afeta o direito de defesa?
Essencial para a proteção dos direitos de todos, a segurança jurídica requer que as normas e decisões definidas sejam claras e previsíveis, possibilitando às partes interessadas saber quais são os seus direitos e deveres, quais normas os fundamentam e como elas vêm sendo interpretadas pelos aplicadores do direito. Isso ajuda a balizar as condutas dos pesquisadores frente às regras às quais estejam submetidos e à forma como elas vêm sendo aplicadas.
Se as normas são contraditórias entre si e não é possível prever a maneira como as agências de fomento vêm interpretando sua aplicação, é praticamente impossível ao pesquisador segui-las adequadamente, colocando-o em situação de extrema incerteza e vulnerabilidade.
Nos próximos parágrafos, apresentaremos casos concretos que demonstram os desafios da insegurança jurídica e suas consequências para o direito de defesa.
Decadência
A decadência ocorre quando as agências de fomento não exercem sua obrigação de cobrar o ressarcimento dos valores investidos nos casos em que ocorra, por parte do pesquisador, descumprimento de obrigações previstas no Termo de Concessão da Bolsa – isso deve ser feito dentro do prazo de até 5 anos após o inadimplemento cometido. No entanto, temos observado que Capes e CNPq somente reconhecem a decadência administrativamente, em casos cuja cobrança seja superior a R$100.000,00, após 10 anos ou mais.
Essa prática contradiz a regra geral da lei brasileira, que estabelece prazos decadenciais e prescricionais de 5 anos (Decreto 20.910/1932). A discrepância entre as práticas administrativas e a legislação cria uma insegurança jurídica significativa para os pesquisadores, que podem se encontrar em uma situação de indefinição quanto ao seu direito de defesa e às obrigações financeiras decorrentes das bolsas recebidas.
Além disso, acabam sendo submetidos injustamente a processos administrativos de cobrança na Capes, no CNPq, no Tribunal de Contas da União e até mesmo na justiça, o que causa uma série de desgastes financeiros e emocionais injustificados.
Prescrição
A prescrição é a perda do direito de ação (acionar o judiciário) após 5 anos da constituição da dívida (se não ocorrer nenhum evento ou ação que suspenda o andamento da contagem do prazo). Em outras palavras, significa que se a instituição não cobrar a dívida dentro desse limite de tempo, ela perde o direito de exigir o que lhe é devido.
Como mencionado, no caso das bolsas concedidas por Capes e CNPq, o prazo prescricional para a cobrança dos valores despendidos deve ser de 5 anos, conforme o art. 1º do Decreto 20.910/1932. Esse prazo está demonstrado em decisões tanto no âmbito administrativo como no judicial.
Além disso, existe também a prescrição intercorrente, que ocorre quando não há movimentação em um processo administrativo ou judicial por parte da administração pública, na pendência de despacho ou decisão sob responsabilidade da agência de fomento, por um determinado período de tempo.
No contexto das bolsas de estudo, se Capes ou CNPq não movimentarem o processo de cobrança por um período legalmente estipulado de 3 anos, o pesquisador pode solicitar o reconhecimento da prescrição intercorrente para dar encerramento ao caso.
O que temos visto em relação à prescrição é uma postura das agências de fomento em manipular constantemente o ato administrativo que daria início à contagem do prazo prescricional. Em alguns casos, são considerados determinados atos, enquanto em outros, há mudança de entendimento. Para quem acompanha centenas de pesquisadores, fica evidente que as agências de fomento têm aplicado critérios distintos no caso a caso, sempre em prejuízo dos pesquisadores.
Em todos os cenários, o que temos visto é que a cobrança de ressarcimento ao erário persiste mesmo com flagrantes ilegalidades, com tratamentos desiguais aos pesquisadores e constantes contradições que criam um sentimento geral de imprevisibilidade e injustiça entre os beneficiários das políticas de fomento.
Projeto de novação
No âmbito do CNPq, a Portaria 1.594/2023, que estipula um prazo de 60 dias para a análise dos pedidos de novação, não tem sido adequadamente respeitada. O CNPq não tem dado cumprimento a esse prazo de análise, causando preocupação e prejuízo aos pesquisadores.
É preciso enfatizar que o período que corre entre o envio e o resultado da avaliação da proposta de novação é extremamente importante para a viabilidade do projeto. Isso porque, geralmente, há atividades que precisam ser realizadas dentro de determinado prazo, sendo que o decurso do tempo faz com que as obrigações propostas percam seu sentido e objetivo.
Nesse contexto, o CNPq tem aplicado o posicionamento ilegal de que aqueles que submeteram propostas de novação antes da nova portaria não têm direito à aplicação das novas regras. Tal postura representa uma violação da isonomia entre os pesquisadores, criando uma disparidade na qual alguns aguardam meses pela análise de seus pedidos enquanto outros poderiam obter aprovação em um intervalo significativamente menor.
Damos um exemplo para melhor compreensão do problema: alguém que submeteu o projeto há 6 meses e ainda aguarda apreciação não teria o mesmo direito de ver seu projeto analisado em 60 dias que tem alguém que propôs o projeto há muito menos tempo, já na vigência da nova portaria.
Além disso, o CNPq, vendo sua incapacidade de cumprir o prazo previsto em sua própria portaria, passou a interpretar de maneira arbitrária que os 60 dias para apreciação seriam contados após a instrução interna do processo, o que torna a norma absolutamente ineficaz e mantém os pesquisadores em situação de absoluto desconhecimento acerca de quando isso ocorrerá.
Essa discrepância não apenas frustra aqueles que estão aguardando uma decisão, mas também coloca em questão a eficiência e a transparência dos processos administrativos das agências de fomento. É fundamental que as normas estabelecidas sejam respeitadas e que haja uma padronização no tratamento dos pedidos para assegurar a equidade e a justiça.
O direito de defesa dos pesquisadores
A análise realizada neste artigo demonstra apenas uma parte dos desafios enfrentados pelos pesquisadores em suas relações com a Capes e o CNPq. Quando as regras dessas instituições não estão alinhadas com as leis e decisões judiciais atuais, cria-se uma insegurança jurídica, colocando em risco o direito de defesa dos pesquisadores.
É de extrema importância que as agências de fomento revisem suas orientações e normas internas, de modo a garantir os princípios da legalidade, da segurança jurídica e do devido processo legal. Somente assim os pesquisadores podem exercer seu direito de defesa e as suas próprias pesquisas a fim de contribuir para o desenvolvimento da ciência brasileira.
O escritório Valente Reis Pessali é especializado em Direito Educacional e tem vasta experiência em lidar com questões relacionadas a agências de fomento e à defesa dos direitos e interesses dos pesquisadores.
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