A gestão de recursos públicos exige responsabilidade e transparência de todos os envolvidos. Irregularidades na aplicação desses recursos podem resultar na instauração de Tomadas de Contas Especiais pelo Tribunal de Contas da União (TCU), com consequências graves para os responsáveis, como, por exemplo, multas de até 100% do valor da dívida.
Este artigo tem como objetivo orientar, gestores de projetos e instituições, bem como qualquer pessoa que receba recursos públicos da União sobre os riscos da Tomada de Contas Especial e as medidas que podem ser adotadas para evitar problemas e multas pelo TCU.
O que é uma Tomada de Contas Especial?
Em síntese, uma Tomada de Contas Especial é um procedimento utilizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para investigar e quantificar danos ao erário. Neste processo administrativo, também são identificados os responsáveis e definidas as medidas para ressarcir os cofres públicos.
É importante destacar que, a Tomada de Contas Especial é instaurada na entidade administrativa ou no órgão competente, e não no Tribunal de Contas da União. Os principais motivos para sua instauração incluem:
- Omissão no dever de prestar contas;
- Não comprovação da aplicação de recursos;
- Ocorrência de desfalque ou desvio de recursos públicos;
- A prática de atos ilegais, ilegítimos ou antieconômicos.
No entanto, é importante notar que a instauração de uma Tomada de Contas Especial não ocorre imediatamente ao se identificar uma dessas situações. Isso porque ela é considerada uma medida extrema, comparada a uma “cirurgia”, devido ao seu custo elevado e à complexidade do processo. Por isso, é um recurso utilizado apenas em casos mais graves.
Antes de instaurar uma Tomada de Contas Especial, a autoridade pública deve esgotar todas as vias de cobrança administrativas possíveis. Por exemplo, se uma organização social não prestar contas, o Ministro do órgão competente pode notificá-la para regularizar a situação. Se a organização ainda assim não prestar contas, o Ministro pode suspender a execução dos repasses.
Essas são medidas administrativas que visam a resolução do problema de maneira menos onerosa e mais rápida. Somente se a omissão persistir, e todas as ações administrativas forem esgotadas, é que se considera a instauração de uma Tomada de Contas Especial.
No caso de bolsistas, podemos citar o exemplo de um ex-bolsista de doutorado no exterior que deixou de cumprir o período de interstício. Após a agência de fomento notificar o bolsista e esgotadas todas as tentativas administrativas para regularizar a situação, a TCE será instaurada para apurar as irregularidades e, possivelmente, cobrar a devolução dos valores investidos na sua formação. Caso ainda persistam dúvidas sobre a condução de uma TCE junto à CAPES e o CNPq, recomendamos a leitura do nosso parecer completo.
A aplicação de multas pelo TCU
A Tomada de Contas Especial representa um risco significativo para aqueles que gerenciam recursos públicos. Ao chegar a este estágio, além do valor em que você está sendo cobrado, há a chance de aplicação de multa pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
O TCU possui amplos poderes para aplicar sanções a quem cometer irregularidades na gestão de recursos públicos. De acordo com o Art. 267 do Regimento Interno do TCU, o Tribunal pode impor multas de até 100% do valor do dano causado ao erário. Essa penalidade, além de gerar um impacto financeiro significativo, pode acarretar outras consequências como a restrição de acesso a futuros financiamentos e a perda da reputação profissional.
É importante destacar que a imposição da multa não é automática. O TCU avalia cada caso individualmente, considerando a gravidade da irregularidade, a culpa do responsável e a capacidade econômica para arcar com o pagamento. No entanto, a possibilidade de aplicação da sanção financeira torna a Tomada de Contas Especial um processo a ser evitado a todo custo.
Como acontece na prática?
Para ilustrar os riscos da TCE a ser julgada no TCU, vamos analisar alguns casos reais:
- Acórdão TCU nº 2171/2015
No Acórdão do TCU nº 2171/2015, a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República moveu uma Tomada de Contas Especial contra vários responsáveis, incluindo uma empresa, por falhas na prestação de contas. Além de julgar procedente os valores cobrados pela Secretaria, o TCU aplicou multas individuais aos envolvidos, destacando a necessidade de responsabilização e ressarcimento dos cofres públicos.
Nesse caso, é interessante observar que a defesa dos envolvidos buscou salientar a ausência de má-fé na prestação de contas que haviam realizado, por mais que ela fosse julgada irregular pela Secretaria.
Contudo, o Ministro ressaltou que a presunção de boa-fé ou má-fé dos responsáveis não interfere na aplicação das multas. A lei permite a imposição de multas em casos de débito, independentemente da comprovação de má-fé, visando garantir a recomposição do erário.
- Acórdão TCU nº 9193/2022
No caso do Acórdão TCU nº 9193/2022, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) instaurou uma Tomada de Contas Especial contra uma pessoa física, em decorrência da não comprovação da boa e regular aplicação dos recursos repassados para um projeto de pesquisa.
A ausência de prestação de contas, caracterizada pela falta de apresentação do Relatório Técnico Final e Avaliação de Desempenho do Bolsista, justificou a instauração do processo, na qual o órgão competente solicitou a devolução dos valores bem como a aplicação de multa.
No caso, o acusado não apresentou defesa no processo. Na decisão, o Ministro do TCU votou pela condenação do responsável à restituição dos valores e a aplicação da multa no valor de R$14.000,00, cerca de 10% do repasse total.
- Acórdão TCU nº 6734/2015
Já no Acórdão TCU nº 6734/2015 trata-se de um processo referente a uma Tomada de Contas Especial instaurada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) contra um ex-bolsista de doutorado no exterior. O processo foi iniciado devido ao não cumprimento das obrigações estabelecidas no Termo de Concessão e Aceitação de Bolsa no Exterior, firmado em 2001. O acusado não comprovou seu retorno ao Brasil e a permanência por período igual ao da vigência da bolsa, conforme exigido pelo termo. No caso, o acusado não apresentou defesa.
O Ministro do TCU julgou as contas como irregulares, no entanto divergiu quanto à aplicação da multa. Ele entendeu que o Tribunal de Contas da União (TCU) tem sido claro ao aplicar multas em casos de inadimplência na prestação de contas de recursos destinados a projetos de pesquisa. No entanto, observou que este caso trata especificamente do descumprimento das obrigações relacionadas à concessão de bolsa de estudo no exterior, onde a jurisprudência tende a não aplicar multa ao responsável pela bolsa de estudos.
Mas e aí? Além da dívida, pode ser aplicada uma multa pelo TCU?
Sim! A análise do Regimento Interno, bem como dos acórdãos do Tribunal de Contas da União (TCU), demonstra que a aplicação de multas em casos de Tomada de Contas Especial é uma prerrogativa do tribunal exercida com base na avaliação detalhada de cada caso. Os exemplos discutidos revelam a liberdade do TCU na decisão de aplicar ou não multas, mesmo quando há indícios de boa-fé por parte dos responsáveis.
Para os bolsistas de agências de fomento, como Capes e CNPq, é essencial compreender que a gestão dos recursos públicos destinados a suas pesquisas deve ser tratada com máxima responsabilidade e transparência. A falha na prestação de contas ou no cumprimento de obrigações contratuais pode resultar em sanções severas.
Os acórdãos destacam que, embora exista uma tendência de não aplicar multas em casos de descumprimento do período de interstício por bolsistas no exterior, essa interpretação não é consolidada e depende da análise específica de cada situação pelo TCU. Portanto, a possibilidade de sanção financeira é real.
Em resumo, para evitar os riscos associados à Tomada de Contas Especial e à possibilidade de multas, é crucial que os bolsistas e demais gestores de recursos públicos:
- Cumpram rigorosamente as obrigações contratuais, incluindo a prestação de contas dentro dos prazos estabelecidos.
- Mantenham uma comunicação clara com as agências de fomento, informando sobre quaisquer dificuldades ou mudanças nas circunstâncias que possam afetar a gestão dos recursos.
- Busquem assessoria jurídica desde o início ao receber a primeira intimação ou notificação da agência de fomento para garantir o cumprimento de todas as exigências e evitar complicações futuras.
A prevenção e a agilidade na gestão dos recursos são as melhores estratégias para evitar as graves consequências de uma Tomada de Contas Especial, podendo garantir o sucesso e a continuidade dos projetos de pesquisa financiados por agências de fomento.
A VRP Advocacia e Consultoria possui experiência em casos de Direito Educacional e Administrativo no âmbito do Tribunal de Contas da União. Podemos ajudar tanto de forma preventiva quanto em processos que já estejam em fase avançada.
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