Valente Reis Pessali Advocacia e Consultoria

O aborto legal no caso de gravidez resultante de estupro

O caso da menina grávida de 11 anos que teria direito ao aborto legal e foi coagida a desistir por uma juiza de Santa Catarina, tendo o vídeo da audiência sido divulgado pelo site The Intercept Brasil, reacendeu o debate sobre as hipóteses de aborto legal no Brasil. A repercussão escancarou o desconhecimento por parte dos próprios operadores do direito e dos médicos sobre esse direito. O caso, que teve seu desfecho esta semana com a realização do aborto, se enquadrava em uma das três hipóteses de aborto legal no Brasil: gravidez decorrente de estupro, risco de vida para a mulher e feto anencéfalo.

O país acompanhou o desenrolar do caso alarmado, relembrando também o caso de 2020 que teve amplas repercussões políticas. Em casos como esses, o absurdo da violência sexual praticada contra crianças se soma a violências no atendimento médico e à violência institucional na condução do caso pelo judiciário.

A cada semana no Brasil uma criança ou adolescente de menos de 14 anos realiza um aborto legal pelo SUS, mas mesmo nos casos permitidos por lei as pessoas que desejam abortar encontram entraves para conseguir a interrupção da gravidez. Qualquer hospital pode realizar o procedimento, mas poucos o fazem.

O que prevê o direito brasileiro quando a gravidez é resultado de violência sexual?

O Código Penal brasileiro (art. 128) não pune o aborto praticado por médico quando a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou de seu representante legal no caso de incapaz. Este foi o caso da menina catarinense que, junto à sua mãe, teve que buscar o judiciário com o objetivo de ver realizada a interrupção da gestação após negativa da equipe médica do hospital.

É bom lembrar que pelo direito penal brasileiro, qualquer relação sexual (conjunção carnal ou outro ato libidinoso) com menor de 14 anos é estupro de vulnerável, de forma que a gravidez de qualquer criança ou adolescente até essa idade é considerada estupro.

Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é garantido o direito à integral assistência médica e à plena garantia da saúde sexual e reprodutiva às crianças e adolescentes.

Questão de suma importância é o fato de que para os casos de gravidez resultante de violência sexual, a lei brasileira não impõe limitação de semanas de gravidez nem exige prévia autorização judicial. Ou seja, não há qualquer requisito senão a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

O procedimento para requerer a interrupção da gravidez nos casos autorizados legalmente

Apesar da questionável cartilha editada pelo Ministério da Saúde este mês que diz que todo aborto é crime, o próprio Ministério possui Nota Técnica que prevê como os serviços de saúde devem lidar com esses casos.

O documento fala do direito da pessoa em situação de gravidez decorrente de violência sexual a informações sobre as alternativas legais quanto ao destino da gestação e sobre as possibilidades de atenção nos serviços de saúde. É direito dessas mulheres, sejam elas adultas, crianças ou adolescentes serem informadas da possibilidade de interrupção da gravidez

A Portaria MS/GM n° 1.508, do Ministério da Saúde, de 1° de setembro de 2005, estabelece os Procedimentos de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos no âmbito do Sistema Único de Saúde. Os documentos necessários são:

  • O “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, em que consta declaração da mulher e/ou de seu representante legal pela escolha da interrupção da gestação, ciente da possibilidade de manter a gestação até o seu término e das alternativas existentes nesse caso; 
  • O “Termo de Responsabilidade”, onde declaram que as informações prestadas para a equipe de saúde correspondem à legítima expressão da verdade; 
  • O “Termo de Relato Circunstanciado”, em que devem descrever as circunstâncias da violência sexual sofrida que resultaram na gravidez; 
  • Parecer Técnico, assinado por médico, atestando a compatibilidade da idade gestacional com a data da violência sexual alegada, afastando-se a hipótese da gravidez decorrente de outra circunstância diferente da violência sexual. 
  • Por fim, a equipe multiprofissional elabora o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção de Gravidez, a ser assinado pelo diretor ou responsável pela instituição. 

Como se vê, mesmo nos casos legais existe grande burocracia e entraves desnecessários que se tornam mais uma violência contra a mulher, criança ou adolescente vítima de estupro. Caso esteja passando por uma situação de violência institucional, procure um advogado para fazer valer os seus direitos! A Valente Reis Pessali Sociedade de Advogados está à disposição para acolher o seu caso!

Júlia Leite Valente - Advogada Sênior e Sócia Fundadora

Júlia Leite Valente

Advogada sênior sócia fundadora

É mestra em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar pela Université de Lille, na França. É autora do livro UPPs: Governo Militarizado e a Ideia de Pacificação.