Nos últimos dias o vexame causado pelos pivôs da operação Lava-Jato, que antes bradavam serem os bastiões da honestidade e da não-corrupção, mostrou a face promíscua do sistema judicial brasileiro. O caso levantou o questionamento do papel do juiz no processo e sobre parcialidade no sistema judicial. No post de semana passada a Valente Reis Pessali já se debruçou sobre o caso.
Infelizmente nós advogadas e advogados já nos deparamos diversas vezes com decisões parciais que não se ativeram aos fatos e provas do caso. Ao contrário do que impõe a Constituição, legislação infraconstitucional processual e a conduta da magistratura, é comum magistrados desrespeitarem o devido processo legal, princípio fundamental de todo Estado Democrático de Direito, quando não se atém às regras básicas dos processos e procedimentos positivados. É o caso da Lava-Jato.
É muito simples isso, as regras existem para dar objetividade aos pleitos, para que juízes, membros do Ministério Público, policiais, e outros servidores públicos não se utilizem de preconceitos e ideologias pessoais em sua atuação profissional. Não é o caso da Lava-Jato. O que estamos vendo é que o juiz do caso assumiu posição de acusador, dando dicas, informando e coordenando as ações do órgão acusador fundamental: o Ministério Público. Assim, perdeu totalmente sua condição moral de julgamento. Não é que o juiz, ou juíza, não possa ter sua própria moral e ideologia, o que ele não pode é usar isso como base para seu julgamento, que deve se valer dos fatos, provas e regras processuais, tão e somente.
Esse tema suscita diversas outras discussões, entre as quais como funciona o sistema judicial brasileiro no que tange a questões criminais. Historicamente o sistema penal pode ser configurado de duas maneiras: acusatório, e inquisitório.
Como se entende pelo nome, o sistema inquisitório é medieval e movido por crenças religiosas e moral pessoal do inquisidor. Nesse sistema o juiz é acusador, julgador e defensor do investigado. Atualmente são os estados teocráticos aqueles que ainda usam do sistema inquisitorial para julgar seus cidadãos/servos. Diga-se de passagem que o recurso da delação premiada era o instrumento principal dos inquisidores, que acusavam a partir de denúncias de membros das comunidades religiosas.
O Estado Democrático de Direito do Brasil, como deve ser toda democracia, não admite senão o sistema acusatório, cujo princípio é a separação da pessoa do juiz e da instituição do julgador. Sendo assim, há separação entre as funções de acusar, julgar e defender. Logo, o juiz é imparcial e somente julga, não produz provas e nem defende o réu.
Explico melhor:
Características / Sistema | Inquisitório | Acusatório |
Funções processuais | Unificadas na mão do juiz | Separadas |
Atos do processo | Sigilosos | Publicizados, salvo nas exceções legais |
Réu | Objeto da investigação | Sujeito de direitos |
Garantias | Não há contraditório, ampla defesa ou devido processo legal | Todas as garantias constitucionais que concernem ao processo |
Provas | Taxativas | Devidamente motivadas |
Presunção | Culpabilidade | Inocência |
Julgador | Parcial | Imparcial, equidistante das partes |
A organização dos estados em democracias regidas pelo Direito impõe não apenas direitos materiais, como o direito à educação e à saúde, mas também garantias processuais a todas e todos, independente de credos, partidos e ideologias. É o que nos separa da barbárie.
A Valente Reis Pessali acredita na Justiça e nas garantias processuais para todas e todos. E continuará repudiando esquemas, grandes acordos nacionais e negociatas que não se fundem nos princípios e garantias constitucionais.