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Posse de arma: o que muda com o novo Decreto

Nesta última terça-feira, dia 15 de janeiro de 2019, foi assinado pelo Presidente Bolsonaro o Decreto que facilita a posse de armas no Brasil. O Decreto altera o Decreto nº 5.123/2004, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, fragilizando o Estatuto do Desarmamento. Enquanto aqueles que acreditam que ter uma arma (ou até quatro) em casa vai trazer segurança para sua família correm para as lojas, explicamos o que de fato mudará.

Afinal, qual a diferença entre porte e posse de arma?

Enquanto a posse de arma de fogo é a autorização para manter a arma em casa ou no local de trabalho (na hipótese em que o dono da arma for o responsável legal pelo estabelecimento), o porte de arma é o direito a trazer consigo a arma, para sua defesa pessoal, o que exige uma série de outros requisitos.

O Decreto altera apenas a regulamentação da posse de armas, não do porte, que só pode ocorrer em hipóteses restritas previstas em lei, como é o caso dos integrantes das Forças Armadas e das polícias.

É importante destacar que os crimes previstos na Lei nº 10.826/2003 continuam existindo. A posse irregular de arma de fogo de uso permitido (possuir arma de uso permitido em desacordo com as normas) é sujeita a detenção de 1 a 3 anos e multa. Já o porte de arma de fogo de uso permitido (portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de uso permitido em desacordo com as normas) é sujeito à pena de 2 a 4 anos e multa. Se a posse ou o porte for de arma de fogo de uso restrito, a pena é de 3 a 6 anos e multa.

O que mudará com o Decreto?

A principal alteração é com relação ao critério de “efetiva necessidade”: se antes quem pretendia ter armamento em casa precisava apresentar uma justificativa à Polícia Federal (ficando a decisão a cargo do policial), o texto do Decreto considera que se enquadram em situação de “efetiva necessidade” aqueles que residem em área rural e os residentes em área urbana com “elevados índices de violência” – considerados os estados em que os índices de homicídios superam 10 por 100.000 habitantes (portanto, todos os estados) – bem como os titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais.

A declaração de efetiva necessidade se tornou uma mera formalidade, já que presume-se sua veracidade. Na prática, não haverá qualquer fiscalização com relação a esses fatos. Além disso, caso haja criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental na casa, bastará declarar que a residência possui “cofre ou local seguro com tranca para o armazenamento”, o que tampouco será verificado.

Ainda, inacreditavelmente, o Governo estuda fazer uma medida provisória até o final de mês para anistiar as armas de fogo irregulares. De acordo com o Ministro da Casa Civil, em 2019 o Executivo trabalhará com o Congresso para flexibilizar também o porte.

Possíveis impactos

Para além do provável aumento dos índices de homicídio, considerando que estudos apontam que o Estatuto do Desarmamento salvou milhares de vidas (133.987 até 2014), o fato de ter armas em casa coloca em risco especialmente as crianças e mulheres, estas vítimas de violência doméstica – metade das mulheres mortas são assassinadas por arma de fogo. Além disso, os conflitos agrários deverão se tornar muito mais violentos e letais.
Além de não acreditarmos que a posse de armas represente solução para os problemas de violência urbana e rural do país, muito pelo contrário, nossa preocupação principal é com os grupos mais vulnerabilizados como as mulheres, crianças e LGBTIQs, com os quais está nosso maior compromisso. Em um momento em que a “maioria” tenta se impor sobre as “minorias” da nossa população, a flexibilização das normas para posse de arma pode jogar a população contra si mesma.

Júlia Leite Valente - Advogada Sênior e Sócia Fundadora

Júlia Leite Valente

Advogada sênior sócia fundadora

É mestra em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar pela Université de Lille, na França. É autora do livro UPPs: Governo Militarizado e a Ideia de Pacificação.