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A gorjeta pode ser a única remuneração do garçom?

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A gorjeta pode ser a única remuneração do garçom?


Por Gustavo Pessali

Recentemente, estive com uma amiga jantando em um restaurante de uma certa rede australiana bastante conhecida no Brasil, onde fomos muito bem atendidos. Ao final, junto com a conta, fizemos a pergunta: vocês efetivamente ficam com os 10% da gorjeta? A resposta foi a seguinte: os 10%, que na verdade são 7% uma vez que 3% são da cozinha, compõem a integralidade de nosso salário – se os clientes não pagam, não recebemos. Segundo ela, seria “(…)exclusivamente daí que vem todo nosso rendimento”. 

Estupefatos com a informação, questionamos como estava assinada sua carteira de trabalho, ao que nos foi respondido que ali constava como se ela recebesse um salário mínimo, o que por si só já é problemático. Perguntamos, ainda, onde a garçonete morava: Ribeirão das Neves, respondeu, região metropolitana de Belo Horizonte – o que faz com que ela gaste no mínimo duas horas de seu dia no trajeto de ida e volta.

Por fim, perguntamos-lhe se fazia horas extras e se eram remuneradas, ao que fomos respondidos que sim, que era comum fazer horas extras, mas que elas nunca eram pagas. Esquecemo-nos de perguntar se recebia vale transporte, mas já sabíamos a resposta. Essa situação foi suficiente para que nosso jantar nos causasse boa dose de indigestão, nos levando a refletir sobre várias questões que compartilho agora nesse post. 

Precarização como cálculo de custo-benefício

A precarização dos trabalhadores é alarmante em nosso país e a sanha de lucro das grandes empresas as leva ao sórdido cálculo de risco do custo benefício de se descumprir qualquer legislação garantista que seja: trabalhista ou ambiental, por exemplo. As Comissões Parlamentares de Inquérito que apuram o crime da VALE S/A atrelado ao rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, apontam para a prévia existência de cálculo dos prejuízos advindos de possível rompimento. Contabilizada cada vida humana e animal, bem como cada casa e alface que seriam perdidas, concluíram que valia a pena diante das enormes perspectivas de lucro. O sistema é bruto e já falamos sobre isso aqui, aqui e aqui

Em nossa conversa de volta para casa, concluímos que não havia dúvidas de que esse mesmo cálculo foi feito pelo restaurante para descumprir de maneira flagrante a pouca legislação trabalhista que resta. Com um exército de mão de obra desesperada por emprego, praticamente ninguém está disposto a se insurgir contra o sistema de exploração – e se o fizer, tanto melhor, perderá seu sustento servindo de exemplo para os demais. Uma condenação trabalhista não representa montante expressivo para um restaurante desse porte e o descumprimento da legislação efetivamente torna-se um bom negócio nessa conjuntura.

O que entende o Tribunal Superior do Trabalho sobre isso?

Em caso similar analisado pela justiça, no entanto, ficou assentado pelo Tribunal Superior do Trabalho que não pode o empregador utilizar a gorjeta recebida de terceiros em estabelecimentos comerciais para compor o salário mínimo a ser pago aos trabalhadores pela contraprestação de um serviço. Referido entendimento foi prolatado pela Sexta Turma ao analisar o Recurso de Revista: RR-668-35.2011.5.15.0133. Na ocasião, a turma restabeleceu em votação unânime a sentença que havia condenado determinado restaurante a pagar a um garçom o salário normativo da categoria acrescido de 5% das gorjetas, que não têm natureza salarial.

É importante salientar que, antes de chegar ao TST, o Tribunal Regional do Trabalho havia modificado a decisão prolatada pelo juiz de primeira instância sob o argumento de que a contratação à base de gorjetas não seria ilegal, desde que fosse assegurado ao trabalhador o recebimento do salário mínimo ou, caso haja previsão, o piso da categoria.

O Tribunal Superior do Trabalho, no entanto, por meio do ministro relator, Augusto César Leite de Carvalho, salientou que o artigo 457 da CLT estabelece que a remuneração do empregado compreende, “além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”. Dessa forma, segundo a decisão, o legislador, na definição da remuneração, foi bastante explícito que sua intenção era a de não permitir que a gorjeta compusesse o salário. Sendo assim, mesmo que as gorjetas superem o valor do salário mínimo ou do piso da categoria, o salário não pode deixar de ser pago. As gorjetas, portanto, são complementação do salário e não substituição.

Resistir de maneira estratégica é o único caminho possível

Sendo assim, é preciso que os trabalhadores e as trabalhadoras tenham consciência de referida ilegalidade para que, em momento oportuno, façam uso de sua prerrogativa de recorrer ao Judiciário para verem seus direitos garantidos. O uso do Judiciário, nesse caso, deve ser estratégico, e a consulta a um bom advogado pode ajudar na compreensão da melhor conjuntura para a judicialização. Também é possível encaminhar denúncia ao Ministério Público do Trabalho quando violações sistemáticas de direitos trabalhistas fizerem parte da estrutura organizacional de determinada empresa. 

A Valente Reis Pessali Sociedade de Advogados está preparada para assessorar casos como o narrado e vem abordando diversas questões de direito do trabalho, como a possibilidade de revisão do valor do FGTS, o cumprimento dos direitos trabalhistas de professores e as principais mudanças contidas na reforma trabalhista. O mais importante é que não deixemos de lutar por cidadania e dignidade. Não permitir que haja retrocessos é uma luta diária de todos e todas nós. Caso saiba de alguém em situação similar, compartilhe nosso post!

Equipe VRP

Os artigos produzidos por advogados e advogadas especialistas em diversas áreas do direito que colaboraram com a produção dos conteúdos do Blog da VRP Advocacia e Consultoria.