Valente Reis Pessali Advocacia e Consultoria

Cancelamento de bolsa de estudos por motivo de saúde: desafios e considerações

A imagem mostra uma pesquisadora com aparência cansada. Dá a entender que está frustrada e quer desistir da pós-graduação.

Nos últimos anos a Valente Reis Pessali tem acolhido centenas de estudantes e pesquisadores que acabam desistindo do mestrado ou do doutorado por motivo de saúde, seja pelo adoecimento físico ou mental. Abordaremos, neste artigo, casos de cancelamento de bolsa de estudos por motivo de saúde, falando dos desafios e fazendo considerações a partir da nossa experiência.

Aprofundaremos ensinando o que fazer para se prevenir de uma eventual cobrança de ressarcimento feita pela agência de fomento – Capes, CNPq, etc.. Com esse texto, então, você saberá quais são seus direitos e como produzir provas para se defender.

O adoecimento físico e mental na pós-graduação

Nos últimos anos, o adoecimento físico e mental na pós-graduação tem se intensificado, tornando-se um fenômeno mundial e levando milhares de pesquisadores em nível de mestrado e doutorado a desistirem de suas carreiras científicas. Segundo pesquisa publicada pela revista Nature e realizada com 2.279 estudantes de pós-graduação de mais de 26 países, 39% deles apresentavam sintomas de ansiedade e 41% de depressão. Na população em geral esses índices ficam na casa dos 6%.  

Pesquisa revela que estudantes de pós-graduação têm maior propensão a desenvolver ansiedade e depressão em comparação com a população em geral.

Em entrevista realizada pelo portal ComCiência, a psiquiatra Tânia Vicchi Freire de Melo, coordenadora do Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante (Sappe) da Unicamp, ela afirma que os estudantes de pós-graduação têm seis vezes mais chances de desenvolver depressão e ansiedade do que a população geral.

A psiquiatra argumenta que a transição da graduação para a pós-graduação é um período crítico, repleto de mudanças significativas na vida dos estudantes. Além das questões pessoais, a falta de estabilidade financeira e as perspectivas de emprego adicionam um desafio adicional à saúde mental desses indivíduos.

“Uma vez que esse exercício é remunerado por agências de fomento, o pós-graduando não tem carteira assinada ou atua sob o regime de leis trabalhistas. Isso os coloca em uma posição em que são cobrados como profissionais, mas são remunerados como estudantes”.

Por isso, é fundamental reconhecer esses obstáculos e buscar soluções que proporcionem um ambiente mais favorável para o desenvolvimento acadêmico e pessoal dos pós-graduandos.

A criação de políticas e suporte adequados pode ajudar a garantir que esses estudantes sejam valorizados como profissionais e recebam a devida remuneração por seu trabalho. Assim, será possível promover uma transição mais tranquila e saudável para a pós-graduação, possibilitando um crescimento acadêmico e pessoal satisfatório.

Motivo mais citado como causador do adoecimento: ruídos de orientação

Ainda de acordo com a pesquisa da revista Nature, 50% dos estudantes que relataram terem sofrido de depressão ou ansiedade discordaram da afirmação de que seus orientadores forneciam uma orientação “real” e amplo suporte.

Outro estudo da Nature indica que o desgaste na relação entre professor e aluno decorre fundamentalmente da falta de orientação. Dentre as 6.320 respostas obtidas na pesquisa, 49% dos estudantes de pós-graduação tinham acesso a seus orientadores apenas 1 vez por semana, por menos de 1 hora. 

Precarização e excesso de pressão como fatores de adoecimento

O artigo Barreiras à Carreira e Saúde Mental de Estudantes de Pós-graduação, publicado na Revista Brasileira de Orientação Profissional no final de 2020, traça um panorama preocupante devido à correlação entre a precarização do ensino superior e o adoecimento psíquico dos pesquisadores. 

Segundo os autores do estudo realizado com 2.903 estudantes de mestrado e doutorado no Brasil, 45% dos participantes relataram intensas cobranças relacionadas à publicação de artigos em periódicos científicos, enquanto 36% destacaram a pressão para participar de eventos e cumprir tarefas do programa.

Além disso, 63% manifestaram preocupação em perder o emprego ou a bolsa de estudos, 62% tinham receios de não conseguir concluir suas teses/dissertações no prazo, e 58% temiam não obter aprovação em defesas/qualificações.

No que diz respeito à saúde mental, o estudo constatou que 74% dos participantes apresentavam sintomas de ansiedade, 31% sofriam de insônia e 25% relataram sintomas de depressão (Costa & Nebel, 2018). Esses dados reforçam a necessidade de implementar políticas e medidas que atendam às necessidades dos estudantes, proporcionando um ambiente acadêmico mais saudável e apoiando sua saúde mental.

O estudo corrobora nossa percepção sobre os casos que temos atendido no escritório.  Os pesquisadores estão passando por processos de adoecimento físico e mental que dificultam ou inviabilizam a conclusão de seus estudos. Com isso, são cada vez mais comuns os afastamentos por depressão, ansiedade e outras doenças. Em situações mais graves, os pesquisadores acabam desistindo e descumprindo as obrigações pactuadas com as agências de fomento. Como consequência, quando são cobrados a prestar contas, pode surgir a obrigação de ressarcimento das bolsas recebidas.

O adoecimento físico e mental leva, muitas vezes, à desistência da pós-graduação.

As obrigações do bolsista e o processo de prestação de contas

Todo pesquisador que recebe bolsa de alguma agência pública de fomento, deve assinar um Termo de Concessão da Bolsa ou outro documento similar que estabelece suas obrigações, que  podem variar dependendo da agência e do programa de bolsas. No entanto, existem algumas obrigações gerais que geralmente se aplicam aos bolsistas. Aqui está uma lista de exemplos:

  • Dedicação integral: O bolsista deve se dedicar integralmente às atividades acadêmicas e de pesquisa relacionadas ao programa de mestrado ou doutorado, conforme definido pelo programa de bolsas e pela instituição de ensino.
  • Concluir os estudos: O bolsista é obrigado a concluir o programa de mestrado ou doutorado dentro do prazo estabelecido, seguindo as diretrizes e regulamentos da instituição de ensino.
  • Manter bom desempenho acadêmico: Geralmente, os bolsistas são obrigados a manter um bom desempenho acadêmico durante todo o período da bolsa. Isso pode incluir a obtenção de uma média mínima estabelecida, notas satisfatórias nas disciplinas e avaliações, e cumprimento dos requisitos do programa de estudos.
  • Cumprir carga horária: O bolsista pode ser obrigado a cumprir uma carga horária mínima de atividades acadêmicas, como participação em aulas, seminários, grupos de pesquisa, entre outros.
  • Apresentar relatórios periódicos: O bolsista pode ser solicitado a apresentar relatórios regulares sobre o andamento de sua pesquisa ou atividades acadêmicas, de acordo com as diretrizes da agência de fomento ou da instituição de ensino.
  • Participar em eventos científicos: O bolsista pode ser incentivado ou obrigado a participar de eventos científicos, conferências, congressos ou workshops, tanto nacional quanto internacionalmente, para apresentar seus resultados de pesquisa ou atualizar seus conhecimentos na área.
  • Reconhecimento da agência de fomento: O bolsista pode ser solicitado a mencionar o apoio da agência de fomento em suas publicações, teses, dissertações ou apresentações relacionadas à pesquisa financiada pela bolsa.

O descumprimento de obrigações por parte do bolsista de uma agência pública de fomento brasileira, como a não conclusão dos estudos dentro do prazo estabelecido, baixo desempenho acadêmico ou não cumprimento das diretrizes do programa, pode acarretar em medidas como a suspensão ou cancelamento da bolsa, além da possibilidade de ser exigido o ressarcimento ao erário. Isso pode ser constatado no momento da prestação de contas, por meio de um processo administrativo junto à agência de fomento ou de um processo de Tomada de Contas Especial no âmbito do Tribunal de Contas.

Essas medidas visam garantir a correta utilização dos recursos públicos investidos na concessão da bolsa e a manutenção da qualidade e comprometimento dos bolsistas em seus estudos e pesquisas.

É possível não ser obrigado a ressarcir?

É importante ressaltar que muitos programas de bolsas estabelecem normas que consideram casos fortuitos ou de força maior, como o adoecimento físico ou mental grave comprovado, como circunstâncias que podem exonerar o bolsista da obrigação de ressarcimento ao erário. 

Nessas situações excepcionais, em que a continuidade dos estudos ou atividades acadêmicas é prejudicada significativamente, as agências de fomento podem avaliar os casos individualmente e, sendo comprovada a gravidade e impacto dos eventos, pode ser concedida a dispensa do ressarcimento para garantir a proteção e bem-estar do bolsista. 

Como produzir provas para não ser obrigado a ressarcir?

Produzir provas documentais é de extrema importância quando se busca comprovar o adoecimento físico e mental durante a pós-graduação. Essas provas ajudam a demonstrar de forma concreta o impacto do problema na vida acadêmica, proporcionando uma base sólida para que as instituições envolvidas compreendam a situação e tomem a medidas cabíveis. A lista a seguir apresenta alguns elementos-chave que podem ser úteis na construção desse conjunto de provas:

  • Fazer acompanhamento psicológico  e pedir laudo ou relatório: Inicie buscando ajuda profissional com um psicólogo ou psicoterapeuta. Mantenha registros das sessões e solicite um laudo que descreva o diagnóstico, o histórico do tratamento e o impacto do adoecimento mental na sua capacidade de realizar as atividades acadêmicas.
  • Ir ao psiquiatra e pedir laudo ou relatório: Consulte um psiquiatra para obter uma avaliação especializada e, se necessário, uma prescrição de medicamentos. Solicite um documento que detalhe o diagnóstico, o tratamento prescrito e os efeitos do adoecimento mental na sua vida acadêmica.
  • Juntar receitas médicas e bulas de remédio: Guarde as receitas médicas dos medicamentos prescritos e as bulas dos remédios utilizados. Esses documentos podem servir como evidências de que você está buscando tratamento e seguindo as orientações médicas.
  • Juntar mensagens trocadas com pessoas durante o período de adoecimento: Compile as mensagens trocadas por meio de aplicativos de mensagens, e-mails ou outras plataformas relevantes, que evidenciem o seu estado emocional, dificuldades enfrentadas e o impacto do adoecimento mental em sua vida acadêmica. Essas mensagens podem ser úteis para demonstrar a sua condição durante esse período.
  • Pedir depoimentos de testemunhas: Identifique pessoas que tenham testemunhado situações relacionadas ao seu adoecimento mental, como crises de choro, desespero, insônia, entre outros sintomas. Peça a essas pessoas que escrevam depoimentos detalhando as observações que fizeram e o impacto que perceberam em sua vida acadêmica. Certifique-se de que as testemunhas sejam imparciais e não tenham relação de parentesco, amizade íntima ou envolvimento romântico com você.

A importância da assessoria jurídica especializada

A contratação de um advogado especializado em direito educacional é de suma importância para realizar uma defesa administrativa adequada diante de questões relacionadas à cobrança de ressarcimento ao erário na pós-graduação.

Uma defesa sólida desde o início pode evitar a progressão do caso para o Tribunal de Contas da União, se for o caso, e, eventualmente, para o sistema judiciário. Ter o auxílio de um advogado capacitado na construção de uma narrativa jurídica embasada é fundamental para o sucesso da defesa. 

Nesse sentido, a Valente Reis Pessali Advocacia se destaca como especialista em direito educacional e pode oferecer a assistência necessária para enfrentar esse tipo de situação. Entre em contato para obter apoio especializado e garantir uma defesa eficaz.

Gustavo Marques Pessali - Advogado Sênior e Sócio Fundador

Gustavo Pessali

Advogado sênior sócio fundador

Gustavo Pessali Marques é mestre em Sociologia Jurídica e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar em Direitos Humanos pela Université de Lille, na França, e na Universidad de Buenos Aires, na Argentina.