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Posso retornar ao Brasil e cumprir o período de interstício da minha bolsa Capes/CNPq após anos no exterior?

Mostrar um pesquisador de retorno ao Brasil para cumprimento do interstício

Pesquisadores nos perguntam: posso retornar ao Brasil e cumprir o período de interstício da minha bolsa Capes/CNPq após anos no exterior? Fato é que existem precedentes favoráveis, mas não há garantia de deferimento de um pedido nessa linha. Pela nossa experiência, percebemos que essa possibilidade depende, dentre outros fatores, do fato de  a agência de fomento já ter tomado providências para cobrar o ressarcimento dos valores investidos ou não. Se não tiver iniciado a cobrança, em geral  ainda é possível retornar e regularizar a situação. Se sim, é difícil reverter. Entenda melhor.

O que é e para que serve o período de interstício

O período de interstício atrelado às bolsas de pesquisa no exterior é um requisito que impõe que os pesquisadores retornem ao país de origem por um período de tempo igual ao da bolsa concedida após completarem seus estudos fora do Brasil. 

O objetivo é garantir que o conhecimento e habilidades adquiridas durante a pesquisa sejam compartilhados e aplicados em sua comunidade científica local e possam ser usados para descobrir soluções e inovações para questões relevantes para o país. 

Conheça outras funções do período de interstício:

  • Atualização dos conhecimentos adquiridos no exterior;
  • Integração a equipes e projetos de pesquisa no Brasil;
  • Disseminação dos resultados obtidos no exterior; 
  • Fortalecimento da colaboração com instituições e pesquisadores nacionais;
  • Transferência de tecnologia e conhecimento adquiridos no exterior;
  • Elaboração de novos projetos de pesquisa;
  • Participação em eventos e congressos científicos no Brasil;
  • Fortalecimento e a manutenção de laços com a comunidade científica internacional.

O contexto da pesquisa e dos pesquisadores brasileiros durante e logo após a pandemia

Muitos pesquisadores brasileiros que foram para o exterior nos últimos anos enfrentaram dificuldades para retornar ao Brasil, como a falta de oportunidades de emprego e financiamento para projetos de pesquisa, infraestrutura limitada e instabilidade política e econômica. Por estas razões, muitos pesquisadores optaram por permanecer fora do país e continuar suas carreiras lá, o que pode resultar em uma perda significativa de talento e conhecimento para o Brasil.

A pandemia de COVID-19 agravou ainda mais as dificuldades que os pesquisadores brasileiros no exterior tiveram que enfrentar para retornar ao país. As restrições de viagem e as medidas de quarentena obrigatória tornaram a situação ainda mais complicada, e muitos também estavam preocupados com a falta de medidas adequadas de segurança e saúde para lidar com a pandemia durante o governo Bolsonaro. 

Nesse contexto, muitos pesquisadores acabaram ficando no exterior, mesmo após o fim do prazo pactuado para retorno no Termo de Concessão da Bolsa, mas agora desejam voltar e cumprir o período de interstício. É possível?

Entenda o passo-a-passo do processo de cobrança nas agências de fomento

As agências de fomento, seja Capes, CNPq ou qualquer outra, ao concederem as bolsas de pesquisas no exterior, estipulam obrigações aos bolsistas por meio do Termo de Concessão da Bolsa e dos Regulamentos aplicáveis a cada modalidade.

Dentre elas costumam estar:

  • Cumprir os objetivos e metas previstos no termo de concessão da bolsa.
  • Creditar a agência de fomento em eventuais publicações realizadas;
  • Devolver quaisquer valores pagos a maior;
  • Adquirir seguro saúde;
  • Manter comunicação regular com a instituição financiadora da bolsa;
  • Utilizar a bolsa exclusivamente para os fins especificados no termo de concessão;
  • Prestar contas dos gastos realizados com a bolsa;
  • Apresentar relatórios periódicos sobre o andamento das atividades e resultados alcançados;
  • Manter conduta ética e profissional durante a realização das atividades;
  • Retornar para cumprir o período de interstício após o fim dos estudos no exterior;
  • Em caso de não retorno, ressarcir o erário pelos valores investidos na formação.
Quando assina o Termo de Concessão da Bolsa, o pesquisador se compromete a:
Retornar para cumprir o período de interstício após o fim dos estudos no exterior;
Em caso de não retorno, ressarcir o erário pelos valores investidos na formação.

Sendo assim, em geral, logo após o fim da bolsa, a agência de fomento:

  1. Notifica o pesquisador para que comprove o retorno ao Brasil, entregue o relatório final das atividades e o diploma conquistado;

Com isso, ficará comprovado o início do cumprimento do período de interstício.

  1. Quando o pesquisador não comprova o retorno, ele é notificado novamente para regularizar sua situação – caso não o faça, é notificado acerca da abertura do processo de cobrança.

O processo de cobrança tem uma primeira fase interna à agência de fomento, que tem como objetivo garantir o correto cumprimento das obrigações pactuadas com os pesquisadores. Caso a situação seja regularizada, o processo acaba ali.  

  1. Caso o pesquisador não retorne ou não pague sua dívida, as informações coletadas pela agência são encaminhadas para o Tribunal de Contas da União a partir da abertura de Processo de Tomada de Contas Especial – TCE.

O TCE tem como objetivo principal garantir a correta aplicação dos recursos públicos e responsabilizar os gestores e responsáveis por eventuais irregularidades.

Nesta fase, o TCU pode realizar inspeções, ouvir testemunhas e peritos, além de examinar documentos e contratos relacionados às bolsas concedidas.  Em seguida, julgará as contas e determinará o valor a ser pago e por quem.

Até que momento ainda posso voltar ao Brasil e cumprir o período de interstício?

No geral, em nossa experiência, existe um intervalo de tempo muito variável entre a finalização da concessão da bolsa e a abertura de eventual processo de cobrança. 

Em alguns casos, em poucos meses já há a constatação do não retorno e a abertura do processo de cobrança. Em outros, vários anos se passam até que a agência de fomento perceba a situação e tome as devidas providências.

Enquanto o caso estiver no âmbito da agência de fomento, ou seja, nas etapas 1 ou 2 do processo de prestação de contas, temos verificado a possibilidade de negociar junto à agência de fomento o retorno ao Brasil para dar início (ou retomar) o cumprimento do período de interstício. Por outro lado, quando o caso for remetido ao Tribunal de Contas da União essa opção deixa de existir quase por completo. 

É preciso que se entenda, no entanto, que cada caso tem as suas especificidades e que serão levados em consideração:

  • As circunstâncias concretas do caso do pesquisador;
  • Os motivos que o levaram a descumprir o interstício até aquele momento;
  • A manutenção de boas relações e diálogo com a agência de fomento;
  • A existência ou não de boa-fé.

São alguns exemplos de casos considerados razoáveis:

  • Não retorno por comorbidades durante a pandemia;
  • Risco de dissolução de vínculos familiares em caso de retorno;
  • Impossibilidade de obtenção de novas fontes de renda no Brasil;
  • Obtenção de oportunidades excepcionalíssimas de aprofundamento dos estudos no exterior.

Em situações assim, diante da necessidade de regularização da situação junto à agência, é essencial fazer um requerimento bem escrito e fundamentado. A assistência de um advogado qualificado faz toda a diferença. Estamos à disposição para ajudar! Entre em contato.

Gustavo Marques Pessali - Advogado Sênior e Sócio Fundador

Gustavo Pessali

Advogado sênior sócio fundador

Gustavo Pessali Marques é mestre em Sociologia Jurídica e bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar em Direitos Humanos pela Université de Lille, na França, e na Universidad de Buenos Aires, na Argentina.