Valente Reis Pessali Advocacia e Consultoria

Publicada Portaria da Capes que trata da devolução de bolsas de estudos

A Capes publicou ontem, dia 03 de setembro, a Portaria nº 197 que trata do parcelamento de créditos não tributários da Capes. Ou seja, a Portaria cuida dos casos em que bolsistas e ex-bolsistas devem ressarcir os valores investidos pelo governo brasileiro com bolsas de estudo e taxas universitárias pelos mais diversos motivos. Nosso Blog já tratou das possibilidades e alternativas para os bolsistas do Programa Ciências sem Fronteiras que pretendem permanecer no exterior, principal alvo da referida Portaria. Quem fez doutorado pleno, pós-doutorado e graduação sanduíche fora do país e que queira permanecer no exterior ou que tenha recebido bolsas de pesquisa no Brasil e não tenha cumprido com as obrigações de bolsista, é público a que se destina a Portaria nº 197. Fique atento às novas regras!

Até o momento a Capes utilizava recomendações de sua Procuradoria e fundamentos da Lei 10.522 de 2002, que trata dos créditos inscritos na Dívida Ativa, para decidir sobre os casos de ex-bolsistas que fossem devolver os valores recebidos a título de bolsa de estudos e congêneres, como taxas universitárias, auxílio saúde e deslocamento, dentre outros. Assim, em teoria, a agência analisava caso a caso e determinava as condições de devolução do montante. Durante meses as decisões foram carentes de fundamentação legal e não foram isonômicas. Para se ter uma ideia, em casos similares a Capes dispensou e exigiu fiador para assinatura do Termo de Confissão de Dívida; também liberou o parcelamento em 60 meses e cancelou o parcelamento, requerendo o pagamento em parcela única. Por isso, bolsistas e ex-bolsistas insistiam na necessidade de normatização dos procedimentos de parcelamento administrativo de créditos da Capes, o que finalmente ocorreu no final de agosto. 

O que é preciso saber da Portaria nº 197 da Capes?

A Portaria regulamenta de três assuntos principais: o número de parcelas; o procedimento do parcelamento; e os requisitos para o pagamento.

De quanto é o parcelamento previsto?

De acordo com o art. 2º da Portaria:

Art. 2º Admitir-se-á a concessão de parcelamento em até o máximo de 60 (sessenta) parcelas mensais.

É preciso ficar atento aos prazos de envio do parcelamento, que deverá ser antes do envio do caso à Procuradoria Federal para cobrança, ou antes do envio ao Tribunal de Contas da União, nos casos dos créditos apurados em Tomada de Contas. 

Como pedir o parcelamento? Quais os requisitos e procedimentos?

Em procedimento muito similar ao do CNPq, o ex-bolsista deve calcular o débito atualizado, preencher pedido de parcelamento, pagar a primeira parcela, indicar fiador ou garantia real ou fidejussória e aguardar decisão sobre o parcelamento, como se entende do Art. 5º.

Art. 5º O devedor interessado em parcelar o pagamento da dívida deverá encaminhar à Diretoria de Gestão – DGES a seguinte documentação:
I – pedido de parcelamento, conforme Anexo I, com indicação do valor do débito consolidado e atualizado, devidamente assinado;
II – termo de parcelamento e de confissão de dívida devidamente assinado, conforme Anexo II;
III – comprovante de pagamento da Guia de Recolhimento da União (GRU) referente à primeira parcela;
IV – no caso de pessoas naturais, cópias do documento oficial de identificação com foto, do CPF e de comprovante de residência atualizado dos devedores, de seus representantes legais e de seus fiadores, se for o caso;
V – no caso de pessoas jurídicas, cópias do contrato social, estatuto ou ata da assembleia de eleição da diretoria atual, e eventuais alterações, que identifiquem os atuais representantes legais do requerente, bem como do documento oficial de identificação com foto, CPF e comprovante de residência atualizado dos sócios, de seus representantes legais e de seus fiadores, se for o caso; e
VI – se for o caso, procuração com poderes específicos para a prática de todos os atos necessários à formalização do parcelamento, com descrição expressa e precisa de seu objeto, em especial os poderes para firmar o Termo de Parcelamento constante dos Anexos a esta Portaria e para renunciar a qualquer pretensão quanto ao valor e à procedência da dívida.
§1º Cabe ao requerente efetuar o cálculo do valor da parcela de que trata o inciso III deste artigo, segundo orientações expedidas pela área competente da Capes, emitir a respectiva Guia de Recolhimento da União – GRU e liquidá-la antes de protocolizar o pedido de parcelamento.
§2º Faculta-se ao requerente o pagamento da primeira parcela em valor superior à fração devida, recalculando-se o valor das demais parcelas com base no saldo remanescente.
§3ºDurante a tramitação do pedido, persiste para o requerente a obrigação de liquidar as parcelas subsequentes a cada 30 (trinta) dias, contados do pagamento da primeira parcela, mesmo que ainda não apreciado definitivamente o pedido de parcelamento.
§ 4º Importará desistência do pedido de parcelamento o não pagamento tempestivo de qualquer das parcelas subsequentes à primeira, na forma do § 3° deste artigo.
§5ºNos casos de indeferimento do pedido ou de desistência pelo interessado, os valores recolhidos na forma deste artigo serão abatidos do montante da dívida.
§6ºA indicação de fiador é obrigatória quando o devedor solicitar o parcelamento em conjunto com a emissão de Carta de Não Objeção ou certidão negativa equivalente, quando não comprovar residência no país ou quando assim definido pela autoridade competente pelo respectivo programa ou em regulamentos específicos.
§7ºA obrigação de indicar fiador prevista no § 6° pode ser substituída pela apresentação, pelo devedor, de garantia real ou fidejussória, inclusive fiança bancária, idônea e suficiente para o pagamento do débito, ou outro meio acautelatório expressamente autorizado pela Diretoria de Gestão – DGES.

Diferente do CNPq, e de decisões passadas da agência, o pagamento parcelado da Capes exige a indicação de fiador ou de garantia real ou fidejussória. No entanto, ainda que a fiança seja contrato de confiança muito prejudicial para o fiador, a princípio a Portaria não requer comprovante de renda do futuro fiador.

Atenção! O CNPq permite parcelamento em até 120 meses e não requer fiador para assinatura do Termo de Confissão de Dívida, mais uma amostra da falta de isonomia entre bolsistas e ex-bolsistas, agora, entre agências financiadoras.

Importante entender que é apenas com a decisão final da Diretoria de Gestão sobre o parcelamento que os pedidos e termos enviados pelo ex-bolsista se tornam confissão irrevogável e irretratável da dívida; antes disso são apenas pedidos administrativos e podem ser cancelados, conforme art. 10 a seguir.

Art. 10. O deferimento do pedido de parcelamento importa:
I – confissão irrevogável e irretratável dos débitos objeto do parcelamento, em nome do devedor, configurando confissão extrajudicial de que tratam os artigos 389 e 395 do Código de Processo Civil;
II – a aceitação plena e irretratável, pelo requerente de todas as exigências estabelecidas nesta Portaria e nas leis que regem a matéria; e
III – a suspensão da cobrança administrativa.

E a atualização dos valores?

Sobre a atualização dos valores, não se tem indicação do procedimento para requisição dos valores atualizados até o momento do pedido de parcelamento, mesmo que seja de responsabilidade do requerente atualizar os valores de acordo com o Art. 9º da Portaria. O que ocorre é que os bolsistas não têm acesso a todos os valores despendidos pela Capes. Em caso de doutorado pleno nos Estado Unidos, por exemplo, a agência faz parceria com a Laspau, entidade norte-americana que faz os pagamentos de taxas universitárias diretamente para as instituições de ensino e os bolsistas não têm acesso a esses valores. Além disso, sabe-se que a Capes tem demorado meses para enviar o demonstrativo de débito para os ex-bolsistas. 

Com o demonstrativo em mãos, o ex-bolsista deverá calcular o valor a ser pago e emitir as guias de pagamento, do modo disposto a seguir:

Art. 9º Deferido o pedido, cabe ao devedor emitir as respectivas Guias de Recolhimento da União – GRU e liquidá-las tempestivamente.
§1º O vencimento da parcela dar-se-á sempre até o último dia útil do mês de emissão da guia.
§2º O valor de cada prestação, seja das parcelas devidas a título de antecipação ou do parcelamento, será acrescido, nos termos do § 10 do art. 37-B da Lei n° 10.522, de 19 de julho de 2002, de:
I – juros correspondentes à variação mensal da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – Selic para títulos federais a partir do mês subsequente ao do pagamento; e
II – 1% (um por cento) para o mês do pagamento.
§ 3º Na hipótese de recolhimento de valor superior ao indicado na GRU, o valor excedente será deduzido das últimas parcelas, após anuência da área responsável da DGES.
§ 4º Apurado pagamento a menor, considerar-se-á o devedor inadimplente até regularização, mediante o pagamento da diferença devida em conjunto com a próxima parcela vincenda, acrescida dos juros e correções devidos.
§ 5ºCaso solicitado, o devedor deverá comprovar, a qualquer momento, o pagamento de prestações do parcelamento.

Além de calcular quanto se deve, o ex-bolsista também deverá calcular o valor de cada prestação, adicionando juros da Selic, uma das maiores taxas do país, que já chegou a 14% ao ano.

Como se vê, a Portaria 197 não veio para facilitar a vida dos bolsistas e ex-bolsistas Capes criando condições de ressarcimento de valores condizentes com a realidade dos pesquisadores brasileiros, muito pelo contrário ela dificulta o ressarcimento dos valores. Ainda, nem todas as dúvidas foram dirimidas, falta regularização de procedimentos e de tratamento isonômico entre pesquisadores do país.

Sendo assim, é importante pensar bem antes de decidir pelo ressarcimento dos valores, uma vez que existem outras alternativas, como o adiamento do período de interstício, a suspensão do período de interstício e a novação. Saiba mais em nosso Blog

Mariane Reis Cruz - Advogada Sênior e Sócia Fundadora

Mariane Reis Cruz

Advogada sênior sócia fundadora

É mestra e bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar em Direito e Políticas Públicas pela Université de Lille, na França, e Humanidades pela Universidad de la República, no Uruguai. É também bacharela em Letras pela UFMG.