Valente Reis Pessali Advocacia e Consultoria

A cobrança de ressarcimento de bolsa de estudos prescreve?

Após anos do fim da bolsa de estudo, alguns ex-bolsistas ainda têm dúvidas sobre até quando podem as agências de fomento cobrá-los, afinal, a cobrança da bolsa de estudos prescreve?

Todas as semanas recebemos em nosso escritório vários casos envolvendo algum tipo de cobrança contra ex-bolsistas no Brasil ou no exterior, na maioria dos casos vinculados à Capes ou ao CNPq.

São casos em que o órgão financiador da bolsa decide verificar o cumprimento das obrigações assumidas no termo de compromisso assinado pelo beneficiário da bolsa, que podem ser:

  • Ausência de entrega de relatório final;
  • Ausência de ou prestação de contas inadequada;
  • Extrapolação do prazo para defesa;
  • Desistência do mestrado ou do doutorado;
  • Descumprimento do período de interstício, dentre outros.

Algumas dessas cobranças são realizadas muitos anos depois do fim da bolsa ou do suposto descumprimento das obrigações, surpreendendo os ex-bolsistas, que se questionam sobre quando a cobrança de bolsa de estudo prescreve,e mesmo os advogados.

Mas, afinal, eles podem cobrar depois de tantos anos? Confira a resposta neste artigo.

Qual a diferença entre prescrição e decadência?

Já que estamos no campo jurídico, é preciso utilizar os termos adequados para explicar que a passagem do tempo pode configurar na perda de um direito, no caso, no direito de realizar uma cobrança.

No Direito, a decadência é a perda de um direito por não ter sido exercido por seu titular no prazo previsto em lei. Já a prescrição é a perda do direito de ação (acionar o judiciário) relacionada a esse direito. Os dois institutos jurídicos são muitos similares e as pessoas tendem a generalizar, chamando apenas de prescrição, ou até mesmo utilizando expressões como caducar.

No caso de descumprimento das obrigações pelo ex-bolsista financiado com recursos públicos, Capes e CNPq podem garantir que o ex-bolsista cumpra as obrigações assumidas ou tomar as providências para que o investimento feito seja ressarcido aos cofres públicos.

Esse direito, contudo, deve ser exercido em certo prazo. Pela lei brasileira, a regra geral é que os prazos decadencial e prescricional sejam de 5 anos (Decreto 20.910/1932). Em geral, todo o processo de cobrança administrativa deve ser realizado em 5 anos da data do descumprimento e, após a decisão definitiva determinando o ressarcimento, o Estado terá o prazo de 5 anos para ajuizar ação de execução.

A regra de prescritibilidade no Direito brasileiro está ligada aos princípios constitucionais da segurança jurídica e do devido processo legal, garantido que o Estado, nesse caso, não poderá perseguir infinitamente o indivíduo.

Contudo, na prática, não é tão simples assim, prescrição e decadência ainda são temas controversos, na ausência de uma lei que trate especificamente do caso das bolsas. Por esse motivo, é uma questão que depende em grande medida do entendimento do Superior Tribunal Federal (STF) e sua jurisprudência sobre o tema.

Quando a cobrança da bolsa de estudos prescreve?

Por muito tempo, as agências de fomento entenderam que a cobrança do ressarcimento de bolsas seria imprescritível, ou seja, que poderiam cobrar para sempre. Esse é um entendimento aplicado pelo STF em julgamento contra ex-bolsista do CNPq em 2008.

No entanto, posteriores julgamentos do STF em casos de Repercussão Geral foram firmando o entendimento de que “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil” (Tema 666, julgado em 2016) e que “é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão do Tribunal de Contas” (Tema 897, julgado em 2020).

É um tema tão controverso que o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão de controle externo do governo federal que fiscaliza a prestação de contas de ex-bolsistas, entende que o prazo prescricional nos casos de cobrança da bolsa de estudos é de 10 anos.

Entre as discussões sobre prazos, o certo é que houve uma evolução no entendimento do STF e das próprias agências de fomento, ou seja, o direito de cobrança da bolsa de estudo decai e/ou prescreve.

Por tudo isso, continuamos vendo a Capes e o CNPq iniciando a cobrança de bolsistas e ex-bolsistas que teriam descumprido suas obrigações há mais de cinco ou mesmo de dez anos.

Afinal, por que depois de tantos anos Capes e CNPq continuam a cobrar dos ex-bolsistas?

Quando decorrem muitos anos da data em que surge o direito do órgão financiador da bolsa de cobrar o ressarcimento, é possível que a cobrança seja ilegal, baseada em um entendimento equivocado ou ultrapassado da lei e jurisprudência (entendimento dos tribunais sobre o tema).

A análise da viabilidade de se utilizar o argumento da decadência ou da prescrição deve ser feita caso a caso, sendo analisado o histórico do ex-bolsista, especialmente com relação às cobranças realizadas e aos pedidos formulados. A contagem do prazo prescricional, além disso, pode ter sido suspensa ou interrompida.

Se o argumento será acatado pela Administração ou não em processo administrativo, é outra história – ainda há muita confusão nas normas e entendimentos dos setores de cobrança e temos visto a persistência de cobranças ilegais. Em alguns casos, será necessário levar a questão ao judiciário para se ver livre da cobrança.

É preciso fazer defesa administrativa em caso de prescrição?

Sim! Ainda que muitos anos desde o fim da bolsa de estudo ou descumprimento da obrigação tenham passado, os órgãos de financiamento público iniciam cobrança administrativa para reaver os valores despendidos.

Como vimos, ainda existem controvérsias sobre qual deve ser o prazo decadencial e prescricional para os casos de ex-bolsistas. Por isso, Capes e CNPq não deixam de buscar medidas para realizar a cobrança administrativa. Nesses casos, é preciso apresentar defesa escrita elencando fatos e documentos que comprovem a passagem do tempo e a inércia da agência de fomento em tomar as devidas providências para realizar a cobrança.

O processo administrativo implica:

  • Elaboração de defesa administrativa escrita identificando fatos do caso;
  • Documentos relevantes, que podem ser relatórios, comprovantes de entrega de documentos, comunicações entre o ex-bolsista e a agência de fomento e outros documentos que possam comprovar que nenhum providência foi tomada para realizar a cobrança administrativa dentro de prazo razoável; e
  • Decisão da agência de fomento, que deve ser fundamentada.

E, se ainda assim a decisão não for favorável e tanto Capes quanto CNPq enviarem o caso para análise do TCU, lá também será preciso apresentar defesa argumentando decadência. O procedimento é chamado Tomada de Contas Especial.

Em todos os casos, a defesa a ser apresentada deve ser construída de forma lógica e um advogado poderá ajudar a preparar sua defesa de forma mais precisa e representá-lo adequadamente durante o processo administrativo.

A Valente Reis Pessali é especialista na assessoria de bolsistas e ex-bolsistas Capes e CNPq em processos administrativos e judiciais de cobrança, entre em contato!

Mariane Reis Cruz - Advogada Sênior e Sócia Fundadora

Mariane Reis Cruz

Advogada sênior sócia fundadora

É mestra e bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com formação complementar em Direito e Políticas Públicas pela Université de Lille, na França, e Humanidades pela Universidad de la República, no Uruguai. É também bacharela em Letras pela UFMG.