#CarnavalSemAssédio
Por Júlia Valente, Mariane Reis e Gustavo Pessali
Está chegando o carnaval e, com ele, as fantasias, a pouca roupa, as festas e os bloquinhos de rua. É muita animação, extravasamento e sensualidade atrelados ao uso, muitas vezes excessivo, de álcool e outras substâncias entorpecentes. Nesse período de muita alegria, os limites acabam perdendo seus frágeis contornos, dando margem para a ocorrência de abusos já recorrentes no cotidiano de nossa sociedade machista, conservadora e muito agressiva, de maneira ainda mais intensa. Neste contexto, há quem ultrapasse a barreira da festividade e são as mulheres as mais prejudicadas nesta história.
Atentos a isso e comprometidos com o combate à violência de gênero, muitas vezes perpetrada na lógica do assédio sexual, é necessário ter em mente os limites daquilo que pode ser considerado uma paquera saudável e o que configura atos atentatórios à dignidade das mulheres. Nem tudo é permitido, nem tudo é brincadeira. As mulheres já são submetidas a diversas formas de assédio em seu quotidiano, mas no carnaval muitas dessas práticas são naturalizadas e justificadas como “cultura de carnaval”, quando, na verdade, fazem parte da “cultura do estupro”, tão comum em na sociedade brasileira.
Primeiramente, é importante sabermos que ASSÉDIO SEXUAL é uma manifestação sensual ou sexual, SEM o consentimento da pessoa a quem se dirige. Geralmente, são abordagens grosseiras, ofensas e propostas inadequadas que constrangem, humilham, ameaçam e amedrontam.
O limite entre o permitido e o proibido, portanto, está em uma palavra simples: CONSENTIMENTO. Uma paquera acontece com consentimento das duas partes, é legítima, cria uma conexão com a outra pessoa, não causa medo nem angústia e aceita o NÃO como resposta. O assédio é uma imposição e não aproxima as duas pessoas. “Elogios” públicos também não são aceitáveis quando não há abertura para que ocorram. No caso do assédio, o que está por trás da ação não é a vontade de elogiar, mas uma tentativa de mostrar poder e intimidação.
Muitas mulheres afirmam ter medo de sofrer violências piores se reagirem negativamente a uma abordagem, o que apenas confirma o nível de violência que as ronda. Importante ter em mente que ouvir coisas desagradáveis ou invasivas de alguém é contravenção classificada como importunação ofensiva ao pudor pelo decreto-lei nº 3.688/41, sendo o autor passível de multa. Muitas vezes o assédio pode seguir para um caminho ainda mais violento e se configurar em abuso sexual ou até estupro, que não é apenas forçar a relação sexual, abrangendo também outros atos libidinosos. Sendo assim, o Direito Penal brasileiro contemporâneo entende que beijar, agarrar à força ou apalpar podem configurar o crime de estupro.
O consentimento deve SEMPRE ser dado por livre e espontânea vontade, e que a ausência de “não” ou o silêncio também não significam consentimento. A roupa, fantasia ou inclusive a ausência de roupas não devem jamais levar a nenhum tipo de interpretação que conduza a uma aproximação indesejada. Tenha em mente que a responsabilidade por qualquer abordagem é sempre do assediador, nunca da vítima. O fato de a mulher estar bêbada ou ter feito uso de drogas tampouco a torna menos dona do seu próprio corpo.
Em caso de sofrer ou presenciar um assédio sexual é necessário agir e denunciar imediatamente. A vítima deve procurar o policial militar mais próximo ou, se estiver em ambiente privado, o segurança do local. É importante tentar memorizar características físicas e trajes do agressor, bem como buscar ajuda de testemunhas. Fotos e vídeos também auxiliam autoridades a identificar o autor e os atos praticados.
Denunciar é fundamental para que as mulheres deixem de ser tratadas como objetos sexuais, sem controle sobre seu corpo e submissas a papeis sociais tradicionais. Vale lembrar que os assédios podem prejudicar a saúde física e mental das vítimas, com várias possíveis consequências como ansiedade, depressão, perda ou ganho de peso, dores de cabeça, estresse e distúrbios do sono.
Em Belo Horizonte, são vários os locais onde você pode denunciar e contribuir para a garantia dos direitos de mulheres. Há o plantão da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), que funciona na Avenida Augusto de Lima, 1945, Barro Preto. Casa de Direitos Humanos, localizada na rua São Paulo, nº 679, Centro. Qualquer denúncia também pode ser realizada anonimamente para o número 180, disque-denúncia da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.
Buscar o auxílio de uma advogada de confiança também é de grande importância para que você seja bem orientada em todo o processo de responsabilização do agressor e reparação pelos danos sofridos. Existem grupos de advogadas feministas cuja atuação sensível e engajada no tema são de grande valia em momentos como estes.
Por fim, a Revista AzMina e coletivos como o #AgoraÉQueSãoElas e Vamos juntas? lançaram a campanha #CarnavalSemAssédio, que o Valente Reis Pessali também apoia. No mesmo sentido, a campanha #MeuNúmeroé180, apoiada pela ONU Mulheres, incentiva as mulheres a denunciarem as abordagens agressivas pelo Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência).
Neste contexto foi publicada uma cartilha a fim de informar sobre as diferenças entre paquera e assédio sexual durante a folia. Sim, porque nem toda abordagem masculina é inicialmente violenta, o que dificulta ainda mais a compreensão da linha tênue que separa o sexo consensual do abuso.
O texto da cartilha pode ser acessado clicando na imagem abaixo: